quarta-feira, 8 de junho de 2011

Antes inventado


Descendente de uma família das Antilhas, Thierry Henry nasceu nos arredores de Paris, tendo sido aí que despontou para o futebol.  Desde cedo que o seu estilo felino de pegar na bola e avançar pelo terreno de jogo prometia um grande jogador. Talvez tenha sido por isso que, durante a sua formação, foi evoluindo de clube em clube, recebendo sempre promessas de mais apoio e mais qualidade na preparação das suas características. Les Ulis, Palaiseau e Viry-Châtillon foram os pequenos clubes onde Henry foi acompanhado de seu pai, que era quem o obrigava a apresentar-se nos treinos, coisa que, para o jovem Thierry, não fazia parte das prioridades.
Aos dezassete anos, após ter sido várias vezes observado, Henry assinou pelo AS Mónaco. Aí completou a sua formação e estreou-se como jogador da equipa principal. Começava então a fulgurante carreira do jovem no campeonato francês, com direito a chamadas à selecção de sub-20 e, pouco depois, também à selecção principal. Henry era um avançado que jogava descaído na esquerda, utilizando a velocidade e a finta como suas principais armas. Com apenas vinte e um anos, Thierry Henry já fazia parte da selecção francesa que foi campeã mundial, o que o fez passar a ser conhecido internacionalmente.
Bastaram apenas mais quatro meses para que Henry fosse negociado para um dos maiores campeonatos do mundo, o italiano. No entanto, as suas características exigiam espaço de execução  e isso era algo que os adversários pouco lhe permitiram nessa época. Assim, acabou por deixar a Juventus e assinar pelo Arsenal de Londres, onde foi reencontrar o treinador Arséne Wenger. Acabou por ser em Inglaterra que Henry cumpriu tudo aquilo que havia prometido. Centenas de jogos e golos obtidos com a camisola vermelha e branca do clube londrino, dois campeonatos, três taças, mais um título europeu de selecções. Henry tornou-se, de facto, num herói.
Curioso, no entanto, é o facto de no futebol os heróis terem tanta atracção pelo abismo. Fosse porque se cansara da vida em Londres, do estilo pouco atraente que o Arsenal colocava agora no seu jogo, constantemente ultrapassado pelos adversários na classificação, fosse, ainda, por se sentir atraído pelas sereias de Barcelona, Thierry Henry acabou por assinar pela grande equipa da Catalunha. Aí continuou a sua senda de títulos, mas o brilho já não era o mesmo. Ganhando taças em Espanha e na Europa, Thierry Henry era apenas uma peça da engrenagem blaugrana, sem a admiração que lhe era votada nos tempos do Arsenal.
Será que os heróis do futebol são personagens passageiras? Será que não há nada que possam fazer para se manter, sempre, nos corações daqueles que enchem estádios para os ver? Será que era nisso que Thierry Henry pensava quando, a 18 de Novembro de 2009, já em período de prolongamento do play-off de apuramento Mundial contra a Irlanda, decidiu meter a mão à bola, originando assim o golo que apurou a França? A verdade é que, na senda do apagamento da sua importância no clube onde jogava, este episódio causou uma onda de indignação à volta do seu nome. O até ali menino-quase-perfeito, aparecia agora como vilão do anti-fairplay, o que era um enorme dano à sua imagem.
Para piorar as coisas, só mesmo a carreira da França no Mundial de 2010, com Henry a assistir a todos os jogos sentado no banco, só entrando quando já nada parecia adiantar a um conjunto que tentava sobreviver a lutas internas de protagonismo e poder. Henry perdera o seu estatuto de capitão de equipa, a sua importância e influência junto dos seus jovens colegas de equipa, até o treinador perdera confiança nas suas qualidades para ajudar a selecção. A única pessoa que pareceu dar-lhe ainda algum valor foi o Presidente da Republica, que o recebeu mal a equipa foi eliminada, numa reunião que mais pareceu uma ida do aluno queixinhas à sala do director da escola.
É estranho como um herói se desgasta. Como uma figura que todos respeitam, em poucos meses, se vê envolvida em situações que a tornam dispensável, vergonhosa, infame. Estranho também como, a certas personagens, preferíamos inventá-las. Poder pensar que, ao acabar um texto, essa personagem ficaria quieta e sossegada na página, incapaz de tomar mais alguma decisão que a faça perder, uma outra vez, aquele brilho que nos originou nos olhos quando a vimos correr na relva pela primeira vez.

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