segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A honra da equipa


Quantos anos pode esperar uma equipa até encontrar a sua glória? Nos dias de hoje, ninguém arriscará dizer mais do que um ou dois anos. No entanto, a glória pode ser medida de várias formas. Para o Sutton United, mais de uma dezena de títulos foi conquistada na sua longuíssima história. No entanto, para alcançar a verdadeira glória, foram necessários noventa anos. Sim, noventa anos. Exactamente o tempo que separa a fundação deste clube dos arredores de Londres do jogo em que atingiram a fama nacional e internacional. Esse jogo, a contar para a FA Cup, a famosa Taça de Inglaterra, foi disputado em sua própria casa, contra o Coventry City. A partilhar a felicidade dos milhares de adeptos deste pequeno clube estava Andy Murray, o guarda-redes suplente da equipa.
Andy Murray, enquanto jogador de futebol, era um produto da casa. Começou muito jovem, aos dez anos, a jogar na equipa do Sutton United. O nome deste clube raramente sai das portas do seu bairro. Disputando os campeonatos amadores ingleses, sem maiores ambições que não seja o facto de poder, domingo após domingo, satisfazer a vontade dos seus jogadores em terem um equipamento digno (todo de amarelo, neste caso), disporem de um relvado com as medidas regulamentares e conseguirem fazer um mínimo de pontos para não descer para um campeonato ainda mais fraco. Andy Murray disputou muitos jogos com a camisola da sua equipa enquanto adolescente e, quando  chegou a sénior, cumpriu o seu sonho, assinar um contracto amador para jogar na equipa principal.
Em 87-88, o clube lutava para encontrar a estabilidade na Conference League, o mais alto nível dos clubes amadores em Inglaterra. Andy Murray passou grande parte dessa época a treinar e a aspirar chegar ao lote de convocados, o que acabou por acontecer uma dezena de vezes. Na época seguinte, 88-89, Andy foi promovido a segundo guarda-redes. Tinha agora vinte anos, trabalhava como ajudante no talho local, a sua vida era perfeita. No entanto, ninguém poderia imaginar que, com a possibilidade de disputar a Taça de Inglaterra, o Sutton pudesse atingir um patamar de destaque. O conjunto de jogadores era o mesmo de há umas épocas, dirigidos por  Barrie Williams, um treinador com ares de Lord Inglês que passava os jogos a fumar o seu cachimbo, com um ar praticamente imperturbável.
Na primeira eliminatória da Taça, o Sutton United foi a Daggenham vencer por 4-0. Na segunda, uma deslocação a Aylesbury valeu-lhes uma vitória por 1-0. Quis o sorteio que, na terceira eliminatória, recebessem o Coventry City, equipa da Primeira Divisão Inglesa que ganhara a Taça de Inglaterra apenas dois anos antes. Na tarde de 7 de Janeiro de 1989, o estádio estava cheio. Andy Murray lembra-se bem do nervosismo que reinou durante toda a semana, das presenças de jornalistas nos treinos, da exigência do treinador em inventar uma forma surpreendente de marcar cantos e livres perto da área. Andy também se lembra que foi essa insistência que lhes valeu o resultado. Os jogadores do Coventry entraram em campo mais do que convencidos da vitória, mas a fúria dos amarelos de Sutton, conjugada com a sua organização,  valeram a grande surpresa da eliminatória. Nunca mais, desde esse dia, uma equipa amadora venceu uma equipa da Primeira Divisão na FA Cup.
O sorteio da eliminatória seguinte determinou o encontro do Sutton United com uma outra equipa canarinha, o Norwich City, à época uma das mais fortes equipas inglesas. No entanto, na semana anterior ao jogo, o guarda-redes titular lesionou-se, fracturando três dedos da mão enquanto trabalhava numa obra. Andy Murray teria a sua estreia na equipa do Sutton United num palco de sonho, Carrow Road. O mesmo campo que ele só vira na televisão, cheio de estrelas com quem ele nunca sonharia jogar, seria o campo da sua estreia. Foi um dia histórico, sim. Para Andy, que se estreou. Para o Sutton United, que disputou uma impensável quarta eliminatória da Taça. E para o Norwich, que conseguiu uma das suas maiores goleadas na competição. 8-0. Oito, o número de golos que Andy sofreu naquele jogo. Mas ainda assim foi destacado como um dos melhores jogadores da sua equipa. A sua coragem evitara um descalabro ainda maior.
Noventa anos esperou o Sutton United pelo seu dia de glória, e apenas dois dias teve que esperar Andy Murray pelo seu. Foi esse o tempo que demorou a tocar o telefone do talho onde trabalhava, sendo que do outro lado estava Ian Branfoot, treinador do Reading FC, equipa profissional da Terceira Divisão. O convite era para que Andy assinasse contrato de dois anos, e que se juntasse de imediato aos azuis e brancos, que estavam com um problema de lesões entre os seus guarda-redes. Andy Murray não pensou duas vezes. Aceitou. Largou o talho, a glória efémera do Sutton United, o seu bairro. Foi atrás de um sonho que alimentara durante muito tempo, sendo que, durante todo esse tempo o considerara impossível de alcançar.
Andy Murray jogou durante seis anos no Reading. Depois seguiu para Southampton, onde disputou alguns jogos da Primeira Divisão, durante três épocas. Depois, esteve duas épocas num depauperado Portsmouth, na Segunda Divisão, acabando por regressar ao Sutton onde ainda hoje joga, com 41 anos, sendo dono do talho local e treinador dos guarda-redes mais jovens da formação do seu bairro. Andy Murray é uma das figuras do clube, um dos rapazes mais respeitados da localidade. Dizem que, tendo sido um eterno suplente em quase todos os clubes por onde passou, ganhou um carisma que poucos guarda-redes conseguem manter durante toda a sua carreira. Em plena adversidade, Andy sobressai, salvando, senão o resultado, pelo menos a honra da sua equipa. E isso, meus amigos, tem um valor incalculável.

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