Nenhuma outra opção resta a um jovem jogador de futebol quando
nasce na grandiosa pátria futebolística que é o Brasil, ser o maior ou não ser
ninguém. No entanto, Eduardo Pereira Barcelos tinha um plano diferente. Nascido
em Recife, capital de Pernambuco, Dudinha, assim era conhecido por todos, foi
seleccionado para a equipa de jovens do Santa Cruz Futebol Clube. O seu apelido
só podia ser brincadeira, pois Dudinha era o maior da sua turma. Um rapaz
grande em todas as direcções. Por isso mesmo, jogava como defesa central, e
batia, batia muito, em tudo o que mexesse perto da área da sua equipa. Isso
tornara-o um jogador mais do que temido, uma lenda do futebol jovem de
Pernambuco.
Foi subindo de escalão até ter a
oportunidade de jogar na equipa principal do Santa Cruz. No início dos anos
setenta, o Terror do Nordeste ganhava campeonato atrás de campeonato
estadual. Dudinha, enorme defesa central, cheio de vontade e sem pingo de
caridade, era chamado a entrar no relvado sempre que o assunto era pega de
caras. Ele entrava, pegava, e a assistência aplaudia extasiada a violência do
menino. Ainda assim, Dudinha jogava poucas vezes. Até porque era mais do que
normal ver cartões vermelhos, tal a brutalidade com que ele defendia a camisola
tricolor. Assim, mesmo que fosse o ídolo de parte da torcida, mesmo que tivesse
sido três vezes campeão estadual, foi uma das primeiras vítimas da renovação da
equipa.
Parecia então que as opções de
Dudinha se tinham estreitado ainda mais. Dispensado do Santa Cruz,
impossibilitado de ser o maior (nem que fosse do seu estado), o nosso craque
parecia agora dirigir-se para aquele lugar onde não se é ninguém, imenso
cemitério de prometedores jogadores de bola, aviadores das áreas, voadores
frangos das balizas, incapacitados técnicos de acumuladas derrotas. Era tão
triste o seu destino que chegou mesmo a colocar a hipótese, no Verão de 74, de
deixar de jogar futebol. Dudinha era grande, era enorme, mas se isso não
chegava para honrar a camisola da sua equipa de sempre, teria que servir para
qualquer outro emprego. No entanto, a sorte não estava com ele. E durante
quatro meses, nem futebol, nem emprego para Dudinha.
Iniciado o Estadual do Pernambuco
há já algumas semanas, criou-se a oportunidade para Dudinha voltar aos
relvados. O Íbis Sport Clube carecia de um defesa central de qualidade
inquestionável para travar a avalanche de golos que sofria em cada partida.
Então Dudinha foi lembrado por alguém na bancada, palavra que chegou aos
ouvidos de um dos Directores, que questionou o Treinador, e ao fim de alguns
momentos todos pareciam estar de acordo que esse era o homem de quem eles
precisavam. Assim se fez a apresentação, com direito a jornalistas e tudo,
Dudinha deixava o desemprego e vestia uma nova camisola tricolor (em tudo
semelhante ao do seu Santa Cruz), com a vantagem de, nesta, não encontrar um
número daqueles que sobravam para se sentar
no banco, mas o ilustríssimo número 3, seu número para a vida de titular entre
os Gaivotas.
Já nesse tempo o Íbis Sport Clube
gozava de um estatuto pouco invejável, o de ser um dos piores clubes do
campeonato. Com a chegada de Dudinha, as esperanças de que isso se alterasse
não viram, também, a luz da manhã. Na verdade, Dudinha aplicava-se, cada vez
mais, no desporto da cerveja e do churrasco, sendo que a sua envergadura
futebolística era apenas uma leve pena, se comparada com a monumentalidade do
seu peso. Mas, ainda assim, Dudinha entrava em campo e batia no que podia,
mesmo quando podia pouco. Felizmente havia intervalo para que ele pudesse beber
uma ou duas cervejas geladinhas, restabelecendo assim o equilíbrio de suas
pernas e de sua visão de jogo. A cada semana, a derrota apresentava-se como
assunto impossível de ultrapassar, mas foi por isso mesmo que, entre todos,
jogadores, associados e directores, cresceu a vontade de tornar a sua falta de
qualidade no seu principal trunfo.
Quando se joga futebol na
grandiosa pátria brasileira, as opções entre ser o melhor ou não existir,
encontrava agora uma terceira via: ser, não só, a pior equipa do campeonato,
mas, acima de tudo, a pior equipa do mundo. Para isso, Dudinha seria uma peça
de alta qualidade no centro da defesa, acompanhado por outra grande lenda do
Íbis, Mauro Shampoo, futebolista, cabeleireiro e homem, de quem já muito se
escreveu nas mais encantadoras páginas do futebol mundial. A verdade é que,
quando a equipa do Íbis deixou de tentar ser menos má, começou realmente a
despertar a atenção do mundo inteiro. Jogo após jogo, as derrotas
acumulavam-se, cada vez com mais golos contra e menos golos a favor. Este
caminho começou em Julho de 1980, quando, depois de uma vitória sobre o
Ferroviário, o Íbis só voltou a vencer no dia 17 de Junho de 1984. Mesmo antes
dessa vitória, o Íbis já tinha acumulado outras dezanove derrotas.
Durante esses fabulosos anos, o
clube marcou apenas 25 golos, tendo sofrido 231. Algumas notas são bem
curiosas. Mauro Shampoo, ponta-de-lança durante dez anos, marcou apenas um golo
desses vinte e cinco, um golo que o tornou numa lenda apenas comparável ao Rei
Pelé. Dudinha, o nosso craque, também marcou um desses golos, numa das
complicadas subidas à área adversária, onde depois de vários desencontros com a
bola, esta beijou a sua canela e ganhou a direcção do golo. No entanto, Dudinha
assegurou também sete golos na sua própria baliza. Uma marca invejável para
todos os defesas centrais do mundo. A verdade é que muitos outros tentaram ser
tão maus como Dudinha, mas nenhum conseguiu. Dudinha, honrado titular da pior
equipa do mundo, foi o seu herói durante anos e anos seguidos. Resiste na
memória de todos nós, por ter alcançado aquilo que quis: ser, magistralmente, o
pior.