Erik Badu cresceu, na cidade
ganesa de Kumasi, com um sonho: ser jogador de futebol. No entanto, os deuses
que distribuem os dotes futebolísticos não lhe deram suficiente atenção. Erik,
magro e franzino, era sempre o último a ser escolhido para os jogos entre os
rapazes do seu bairro, era sempre o gozado por falhar inacreditáveis golos
junto a uma das pedras que faziam de baliza na extremidade do descampado onde
todos se encontravam, era dos que tinham
que jogar descalços por, na sua família, não haver dinheiro suficiente sequer
para uns sapatos novos. Erik tinha um
sonho e uma longa estrada para percorrer até o concretizar.
Cedo a escola foi abandonada
pelos biscates num dos armazéns de exportação de flores da cidade. Erik Badu
ocupava os seus dias no sensível trabalho de transportar flores e plantas de
diversas espécies, sempre na esperança de chegar perto da estação de
caminhos-de-ferro de Kumasi, onde ouvia deliciado os relatos de jogos de
futebol no estrangeiro, contados por velhos europeus que dominavam, ainda, as
rotas daquele comércio no Gana. Foi assim que Erik aprendeu a sonhar com o
Leeds United, o Chelsea, o Liverpool e o Manchester United, e foi também assim
que Erik acabou por encontrar uma oportunidade para mudar de vida.
Tinha Erik completado dezoito
anos e podia dizer-se um especialista em vários tipos de flores e plantas
africanas. Foi essa uma das razões pelas quais um holandês de visita a Kumasi o
convidou para trabalhar com ele na Europa. E assim se mudou Erik Badu para
Roterdão, com papéis legalizados (um luxo), emprego assegurado e uma maior proximidade
do seu sonho. O problema é que, sem qualquer passado como jogador de futebol, a
não ser alguns treinos no clube Asante Kotoko FC, ficaria difícil encontrar
quem o aceitasse até para treinar. Mas acabou por encontrar lugar no VOC
Rotterdam, uma equipa amadora, onde durante três épocas disputou uma média de
trinta minutos por ano, sendo, em troca, responsável pelo tratamento dos
relvados do clube.
Apesar de parecer coisa pouca,
entrar em campo com uma camisola de uma equipa de futebol encheu Erik de brios.
Começou então a desenhar-se na sua cabeça um plano para subir na vida de
futebolista. Para isso precisava de ajuda, e acabou por encontrá-la num agente
de futebolistas inglês que, ouvindo as palavras Gana e Holanda, logo se pôs a
imaginar as várias possibilidades de lhe encontrar colocação numa equipa
britânica. Assim viajou Erik Badu para Inglaterra: como jogador de futebol. Os seus primeiros meses em Inglaterra seriam
difíceis para qualquer um, mas não o foram para ele. Passou-os em consecutivas
experiências em clubes como o Port Vale, o Gillingham ou o Bournemouth,
acabando sempre por não assinar contrato com nenhum deles. A sua salvação
acabou por ser encontrada no Blyth Spartans, uma equipa dos campeonatos
regionais, onde pôde finalmente mostrar os seus dotes em jogos oficiais.
Erik Badu tratava muito bem a
relva e muito mal a bola. Mas isso não o impedia de ser um dos mais dedicados
nos treinos e nos jogos em que lhe era dada a oportunidade de jogar. Na equipa
do Blyth chegou até a marcar um golo num dos nove jogos em que participou.
Quando chegou o final da época, acabou dispensado. Mas isso não o fez desistir.
Convenceu o seu empresário a telefonar a todos os treinadores da primeira liga
inglesa, com o intuito de conseguir mais um período de experiência, agora que
se sentia em melhor forma, dado os treinos constantes. Perante várias recusas,
e durante um telefonema para o treinador do Southampton, já a época começara há
algum tempo, o seu agente lembrou-se de dizer que Erik Badu jogara nos escalões
de formação da selecção ganesa e era amigo de George Weah, a esse tempo, um dos
melhores jogadores do mundo.
Está para explicar como é que o
treinador do Southampton caiu na história inventada pelo agente. A verdade é
que caiu tão bem que, mais que um período de experiência, ofereceu a Erik Badu
um contrato de dois meses, tentando evitar que ele acabasse noutra equipa até
ao final da época de transferências. Quando Erik chegou ao clube, o seu rosto
era só felicidade. Novembro é um mês de chuva intensa nas ilhas britânicas e a
sua estreia pela equipa de reservas acabou por ser adiada, devido ao mau estado
do relvado. Nos treinos, Erik surpreendia os seus colegas pelo seu pouco
ortodoxo estilo de correr, não tendo sido sem espanto que o viram na lista de
convocados para o jogo do seguinte fim-de-semana. A verdade é que, devido a
lesões e a uma expulsão no jogo anterior, não sobravam avançados disponíveis no
plantel. Erik tinha então a sua oportunidade de ouro de aparecer num jogo da
Primeira Liga.
Os deuses que sempre o
abandonaram até este dia, quiseram premiar-lhe a perseverança. Por volta da
meia-hora de jogo, o avançado do Southampton, Matthew Le Tissier, lesionou-se e
Erik Badu foi chamado para o substituir. O público ovacionou aquela contratação
misteriosa, tão querida do treinador. A verdade é que o que se seguiu foi uma
das páginas mais risíveis da história do futebol inglês. Erik Badu correu como
um inocente pelas mais estranhas linhas do campo, não conseguiu controlar uma
bola, em suma, denunciou, em poucos minutos, toda a sua falta de jeito para
praticar futebol. Na bancada, o público dividia-se entre os risos e os apupos
ao treinador, o qual assistia a tudo aterrado e envergonhado.
Foram estes os minutos mais
felizes da vida de Erik Badu. Jogou vinte e nove minutos na Liga Inglesa. No
dia seguinte, apresentou-se no estádio para ser assistido pelo médico, como se fosse
devido a lesão que tudo lhe correra mal no dia do jogo. O seu contrato foi
rescindido e nunca mais se viu Erik em Southampton. Na verdade, nessa mesma
semana, regressara a Roterdão, retomando a sua posição na empresa do florista
holandês. Acabou também por reconquistar o seu lugar como tratador de relva e
como ocasional jogador do VOC Rotterdam. A única diferença é que agora, já não
era o desconhecido rapaz que pouco jogava. Era o mundialmente famoso Erik Badu,
o homem que contra tudo e contra todos, foi profissional em Inglaterra, mesmo
que por poucos minutos.
(Com uma especial dedicatória a
Graeme Souness e Ali Dia, dois homens que tornaram esta história possível antes
mesmo dela ter sido inventada)
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