Algumas das mais belas páginas da
história do futebol mundial foram escritas por homens que se entregaram ao jogo
da bola com paixão e fervor, sem que nada lhes fosse oferecido em troca. Essa
história é, em certa medida, a história de Takaji Ono. Takaji, como todos os
japoneses que foram filhos da Segunda Guerra Mundial, pouco mais tinha com que
ocupar o seu tempo se não fosse jogando. E se alguns imitavam os americanos do Baseball,
outros, como Takaji, preferiam correr atrás de bolas feitas de trapos velhos,
não imitando ninguém que eles tivessem alguma vez visto. Apenas sonhando com
esse jogo, o futebol, que corria mundo e chegava, tímido, ao Japão.
Não havia, na altura, competição
organizada no país. Essa chegaria apenas em 1965. As equipas, amadoras ou,
menos que isso, pequenos grupos informais de amigos que se juntavam para
representar esta ou aquela rua, organizam torneios que eram disputados em
campos improvisados no meio das cidades. Takaji Ono, vivendo na cidade de
Kawasaki, participou em inúmeros destes torneios até ser convidado a integrar a
equipa do NKK Football Club, um clube que, ao tempo da organização do primeiro
campeonato japonês, foi integrado na segunda divisão nacional.
Takaji tinha, na altura, 23 anos.
Era um defesa forte, beneficiando de dois factos que o faziam ser notado entre
os seus colegas de equipa: primeiro, sendo o seu pai um bem estabelecido
fotógrafo da cidade de Kawasaki, tinha contactos e posses suficientes para que
em casa nunca tivesse faltado alimento; segundo, a sua família trazia, nos
genes, a marca dos homens mais altos da cidade, tanto que Takaji não era
excepção, com o seu metro e oitenta e sete. Não era um jogador muito dotado,
mas extremamente eficaz no corte de bola e no seu rápido lançamento para o
ataque.
Takaji fez parte da equipa que
ganhou a primeira Taça Shakajin, em 1965, e depois da equipa que conseguiu a
promoção à primeira divisão japonesa, em 1967. O seu primeiro ano na principal
liga do país foi tão pleno de sucessos que acabou convocado para participar nos
Jogos Olímpicos de 1968, realizados na Cidade do México. O historial da
selecção japonesa era pobre, quase inexistente. Nunca tinha estado num Mundial
de Futebol, nem numa Taça da Ásia. As suas experiências internacionais resumiam-se
aos Jogos Olímpicos, com três presenças, seis jogos, com o inexpressivo balanço
de duas vitórias e quatro derrotas, oito golos marcados para vinte e dois
sofridos.
Num torneio onde vários outros
países sem história lutavam contra alguns dos melhores países do mundo, o Japão
não teve muita sorte no seu sorteio. Ainda assim, no seu primeiro jogo, contra
a selecção da Nigéria, o Japão entrou dominador e venceu por 3-1. No segundo
encontro, contra uma equipa de jovens brasileiros, um golo nos últimos minutos
deu um empate inesperado. Chegados à última jornada, e com o empate a zero a
servir os intentos de japoneses e espanhóis, assistiu-se a noventa minutos de
passes para o lado, à espera da segunda fase. A equipa japonesa, com Takaji Ono
no onze titular, conseguia um inesperado apuramento.
Nos quartos-de-final, contra a
França, o Japão terá feito a sua melhor exibição na competição. Os franceses,
ainda que apresentando uma equipa mista, tinham vários jogadores com
experiência em competições internacionais, nos campeonatos europeus de clubes e
na competitiva liga francesa. Os japoneses entregaram-se ao encontro com a
bravura dos momentos únicos. Com o marcador a registar um empate a um golo no
intervalo, a segunda parte foi dominada pelos bravos amadores nipónicos, que
conseguiram aquele que foi considerado o mais importante resultado do futebol
do país do sol nascente durante décadas, uma vitória por 3-1. Na meia-final,
contra os dominadores húngaros, e registando uma grande carência física, os
japoneses viram-se vergados ao melhor futebol dos europeus e perderam por 0-5.
O dia 24 de Outubro de 1968 teria
ficado na história do futebol mexicano se se tivesse vindo a cumprir a
expectativa de todos os mexicanos: a vitória fácil do seu país sobre uns
japoneses fisicamente muito fragilizados. Mas os rapazes mexicanos tinham
ficado bem desmoralizados com a derrota nas meias-finais, frente à Bulgária.
Assim, a disputa da medalha de bronze ficou marcada na história com duas
grandes exibições. Ono, na defesa, a limpar todas as tentativas de ataque
mexicanas, e Kamamoto, no ataque, a marcar por duas vezes, juntando a medalha
ao título de melhor marcador do torneio. Ficava assim garantido o primeiro
pódio da Selecção do Japão numa competição internacional.
Quanto a Takaji Ono, a sua
carreira futebolística nunca mais voltou a ter tão altos voos. Regressado a
casa, disputou apenas mais três campeonatos com a camisa do NKK. O seu pai
carecia de cada vez maior apoio, na gestão da loja de fotografia, e Takaji
dividia o gosto pela bola com o gosto pelo laboratório fotográfico. O futebol
japonês começava também, no início dos anos setenta, a experimentar a entrada
no profissionalismo, algo que não atraía
o bom gigante de Kawasaki. E assim acabou por abandonar o jogo da bola, sendo
que, em algumas tardes de domingo, ainda era possível encontrá-lo entre os
jovens da sua rua, a disputar uma partida com a equipa do bairro vizinho.
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