quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O gigante olímpico


Algumas das mais belas páginas da história do futebol mundial foram escritas por homens que se entregaram ao jogo da bola com paixão e fervor, sem que nada lhes fosse oferecido em troca. Essa história é, em certa medida, a história de Takaji Ono. Takaji, como todos os japoneses que foram filhos da Segunda Guerra Mundial, pouco mais tinha com que ocupar o seu tempo se não fosse jogando. E se alguns imitavam os americanos do Baseball, outros, como Takaji, preferiam correr atrás de bolas feitas de trapos velhos, não imitando ninguém que eles tivessem alguma vez visto. Apenas sonhando com esse jogo, o futebol, que corria mundo e chegava, tímido, ao Japão.
Não havia, na altura, competição organizada no país. Essa chegaria apenas em 1965. As equipas, amadoras ou, menos que isso, pequenos grupos informais de amigos que se juntavam para representar esta ou aquela rua, organizam torneios que eram disputados em campos improvisados no meio das cidades. Takaji Ono, vivendo na cidade de Kawasaki, participou em inúmeros destes torneios até ser convidado a integrar a equipa do NKK Football Club, um clube que, ao tempo da organização do primeiro campeonato japonês, foi integrado na segunda divisão nacional.
Takaji tinha, na altura, 23 anos. Era um defesa forte, beneficiando de dois factos que o faziam ser notado entre os seus colegas de equipa: primeiro, sendo o seu pai um bem estabelecido fotógrafo da cidade de Kawasaki, tinha contactos e posses suficientes para que em casa nunca tivesse faltado alimento; segundo, a sua família trazia, nos genes, a marca dos homens mais altos da cidade, tanto que Takaji não era excepção, com o seu metro e oitenta e sete. Não era um jogador muito dotado, mas extremamente eficaz no corte de bola e no seu rápido lançamento para o ataque.
Takaji fez parte da equipa que ganhou a primeira Taça Shakajin, em 1965, e depois da equipa que conseguiu a promoção à primeira divisão japonesa, em 1967. O seu primeiro ano na principal liga do país foi tão pleno de sucessos que acabou convocado para participar nos Jogos Olímpicos de 1968, realizados na Cidade do México. O historial da selecção japonesa era pobre, quase inexistente. Nunca tinha estado num Mundial de Futebol, nem numa Taça da Ásia. As suas experiências internacionais resumiam-se aos Jogos Olímpicos, com três presenças, seis jogos, com o inexpressivo balanço de duas vitórias e quatro derrotas, oito golos marcados para vinte e dois sofridos.
Num torneio onde vários outros países sem história lutavam contra alguns dos melhores países do mundo, o Japão não teve muita sorte no seu sorteio. Ainda assim, no seu primeiro jogo, contra a selecção da Nigéria, o Japão entrou dominador e venceu por 3-1. No segundo encontro, contra uma equipa de jovens brasileiros, um golo nos últimos minutos deu um empate inesperado. Chegados à última jornada, e com o empate a zero a servir os intentos de japoneses e espanhóis, assistiu-se a noventa minutos de passes para o lado, à espera da segunda fase. A equipa japonesa, com Takaji Ono no onze titular, conseguia um inesperado apuramento.
Nos quartos-de-final, contra a França, o Japão terá feito a sua melhor exibição na competição. Os franceses, ainda que apresentando uma equipa mista, tinham vários jogadores com experiência em competições internacionais, nos campeonatos europeus de clubes e na competitiva liga francesa. Os japoneses entregaram-se ao encontro com a bravura dos momentos únicos. Com o marcador a registar um empate a um golo no intervalo, a segunda parte foi dominada pelos bravos amadores nipónicos, que conseguiram aquele que foi considerado o mais importante resultado do futebol do país do sol nascente durante décadas, uma vitória por 3-1. Na meia-final, contra os dominadores húngaros, e registando uma grande carência física, os japoneses viram-se vergados ao melhor futebol dos europeus e perderam por 0-5.
O dia 24 de Outubro de 1968 teria ficado na história do futebol mexicano se se tivesse vindo a cumprir a expectativa de todos os mexicanos: a vitória fácil do seu país sobre uns japoneses fisicamente muito fragilizados. Mas os rapazes mexicanos tinham ficado bem desmoralizados com a derrota nas meias-finais, frente à Bulgária. Assim, a disputa da medalha de bronze ficou marcada na história com duas grandes exibições. Ono, na defesa, a limpar todas as tentativas de ataque mexicanas, e Kamamoto, no ataque, a marcar por duas vezes, juntando a medalha ao título de melhor marcador do torneio. Ficava assim garantido o primeiro pódio da Selecção do Japão numa competição internacional.
Quanto a Takaji Ono, a sua carreira futebolística nunca mais voltou a ter tão altos voos. Regressado a casa, disputou apenas mais três campeonatos com a camisa do NKK. O seu pai carecia de cada vez maior apoio, na gestão da loja de fotografia, e Takaji dividia o gosto pela bola com o gosto pelo laboratório fotográfico. O futebol japonês começava também, no início dos anos setenta, a experimentar a entrada no profissionalismo, algo que  não atraía o bom gigante de Kawasaki. E assim acabou por abandonar o jogo da bola, sendo que, em algumas tardes de domingo, ainda era possível encontrá-lo entre os jovens da sua rua, a disputar uma partida com a equipa do bairro vizinho. 

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