Terá causado algum espanto a afirmação do seleccionador nacional, Paulo Bento, defendendo João Pereira como a sua primeira opção para o lugar de lateral direito da equipa portuguesa. O percurso deste lisboeta tem tido demasiados altos e baixos para que se aceite, de bom grado, a sua titularidade indiscutível numa equipa onde concorre com Sílvio e Bosingwa. Ainda mais quando as suas prestações no clube, Sporting, tantas vezes estão marcadas por alguma inconsequência. Por tudo isto, convido-vos a olhar para a forma de jogar de João Pereira.
Combatividade, velocidade, agressividade. Três características que qualquer um associará ao número 47 dos leões. Tudo isto estava já no seu ADN quando, em 2003, apareceu na primeira equipa do Benfica, clube onde se formou. Pereira foi, aliás, dos poucos jogadores que passaram directamente dos escalões de formação à primeira equipa da Luz nos últimos dez anos.
Depois de ter sido aposta com Camacho e Trapattoni, a chegada de Ronald Koeman retirou espaço ao jovem jogador, que acabou por sair para o Gil Vicente. A dificuldade que João Pereira apresentava para manter alguma concentração competitiva (e não se perder em discussões inúteis com árbitros e adversários) não agradava, obviamente, ao técnico holandês.
Em duas épocas, João Pereira passou de campeão nacional para jogador de segunda divisão. Poucos acreditariam na sua recuperação para o futebol de primeira linha, mas as boas exibições ao serviço da equipa de Barcelos valeram-lhe um lugar no Sporting de Braga. A equipa bracarense tem sido, nos últimos anos, lugar de autênticos milagres na recuperação de jogadores. Não foi só o clube que cresceu para lutar pelos primeiros lugares da Liga Portuguesa e até por um título europeu. Fê-lo, muitas vezes, com dispensados e ignorados pelos grandes.
Pereira foi um desses casos. Duas épocas e meia com a camisola “arsenalista” valeram-lhe um contrato com o Sporting. Os seus primeiros meses em Alvalade não foram fáceis. As dúvidas dos adeptos e uma expulsão aos sete minutos de jogo na meia-final da Taça da Liga fizeram crescer as questões quanto às capacidades de Pereira para jogar numa equipa grande. Mas o facto de, na época seguinte, ele ter sido dos poucos jogadores a escapar, mais ou menos incólume, à péssima época da equipa, valeu-lhe o perdão dos adeptos e a braçadeira de capitão.
Onde ter o cérebro e onde ter o pulmão
Mas porque é que a acção de João Pereira parece, tantas vezes, inconsequente, nos jogos do Sporting? A movimentação típica de saída de bola da equipa leonina passa por ter a bola no topo da área, nos pés de um dos defesas centrais. O passe seguinte sai, invariavelmente, para uma das linhas. Em Paços de Ferreira, na primeira parte, o passe saiu quase sempre na direcção de João Pereira, dado que a presença de Ínsua no lado oposto era ainda um corpo estranho à equipa.
Ao receber a bola, João Pereira opta, quase sempre, por correr com ela dominada, pela linha direita ou descaindo, levemente, para o centro. Essa subida acaba, muitas vezes, chocando contra uma primeira linha defensiva adversária, perdendo-se a bola ou causando algum pânico na forma como ela é recuperada por um dos outros jogadores do Sporting. Este fim-de-semana, foi possível ver Pereirinha, muitas vezes, ficar atrás de João Pereira, numa troca de papéis, ou mesmo ficar parado apenas a olhar para a progressão do capitão. O mesmo acontece com os médios centrais. Rinaudo e Schaars acompanham a velocidade de Pereira com o olhar e sente-se que o corpo de equipa não aproveita aquela progressão em condições.
Ou seja, na equipa do Sporting, por ausência de um cérebro que pense o jogo (Elias poderá resolver essa questão, com o tempo), é o pulmão que puxa a equipa para a frente, com evidente escassez de resultados.
Nos jogos da selecção, quando a bola chega aos pés de Pereira, o cérebro da equipa (tripartido entre Meireles, Moutinho e Micael) move-se para abrir linhas de passe, para além de ter Cristiano Ronaldo na sua frente, opção mais do que fidedigna para absorver a bola no final da progressão de João Pereira. Com uma equipa diferente, sobretudo ao nível da organização em campo, uma mesma acção de Pereira tem resultados perfeitamente distintos. Ou seja, quando o pulmão funciona dirigido por um cérebro, a lógica e os resultados positivos imperam.
O caso João Pereira – um resumo
João Pereira é, na minha opinião, um caso muito habitual nas faixas laterais. Jogadores com uma técnica aceitável, com velocidade e com uma postura aguerrida, enquanto estão no seu processo de formação, são utilizados como extremos. No entanto, com a chegada ao nível profissional, a sua técnica não é suficiente para fazer a diferença nos terrenos mais avançados – sobretudo nas equipas ditas grandes – e acabam por vir ocupar lugares nas laterais.
A falta de alguma cultura táctica é, quase sempre, substituída pela vontade que apresentam na disputa da bola. No entanto, é necessário um enquadramento dessas características no funcionamento global da equipa. Casos de sucesso são os de Fábio Coentrão no Benfica de Jorge Jesus, ou de Marcelo no Real de Mourinho. No caso de Jorge Jesus, Coentrão é mesmo um jogador acima da média, sendo que as suas subidas no terreno faziam com que um mesmo jogador pudesse ocupar duas posições em campo. A estrutura da equipa estava, aliás, preparada para isso. No caso de José Mourinho, a opção passa por integrar Marcelo na progressão colectiva da bola, sendo por isso que o vemos aparecer tantas vezes em posição de finalização, no centro da área. Marcelo sobe, não como lateral, mas como jogador do meio-campo (Coentrão está a ser treinado para fazer, exactamente, o mesmo).
A validade da utilização de João Pereira na equipa do Sporting dependerá da forma como Domingos preparar a equipa para o ter como seu lateral. Mas é imprescindível que seja ele a jogar para a equipa e não a equipa a jogar para ele. Na verdade, a anatomia diz-nos que o pulmão tem que obedecer ao cérebro, por muito essencial que a sua função pareça no regular funcionamento da organização. E isso aplica-se, de igual forma, ao corpo humano e a uma equipa de futebol.
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