sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Somos o que fazemos diariamente

Entrevista a Ana Catarina Neves, treinadora da Seleção Nacional de Sub-16 Femininos

|Luís F. Cristóvão

A seleção de Sub-16 feminina fez história, ao garantir, pela primeira vez, a subida à Divisão A neste escalão. O feito foi alcançado em Matosinhos, com Ana Catarina Neves a liderar a equipa técnica que alcançou este feito. Nesta entrevista, procuramos saber, junto da selecionadora, como foi preparada a campanha, quais as sensações da equipa durante a competição e de que forma estamos a preparar o futuro.

Time Out com Ana Catarina Neves
Jogar um torneio deste nível em casa, para mais com o objetivo da subida claramente definido, deve ter sido um fator de alguma pressão extra para este grupo. Como é que, como treinadora, enfrentou esse desafio e preparou as jogadoras para ele?
Inicialmente, dentro do nosso grupo, a subida de divisão não foi assumida como objetivo principal, pois não conhecíamos o valor dos adversários (sub-16 é a primeira geração a competir), nem tivemos competição internacional que nos permitisse fazer uma avaliação e aferição do valor da nossa equipa relativamente às demais. Achámos, sim, que tínhamos uma equipa interessante, trabalhadora e competitiva, à qual fomos propondo metas intermédias em função da fase da competição em que estávamos e da avaliação que fomos fazendo das outras equipas. Foi com esta perspetiva, com exigência e rigor no trabalho, que nos preparamos para enfrentar este enorme desafio, jogo a jogo, um dia de cada vez.

Quantos jogos de preparação foram realizados? O que falta ainda, à estrutura das equipas da nossa federação, para estarmos, no que toca à preparação, ao nível dos nossos concorrentes?
A preparação foi a possível face à atual conjuntura económica que vivemos. Julgo que o fator financeiro é o maior entrave, pois já vamos recebendo convites interessantes para torneios. Disputámos quatro jogos particulares com equipas do Porto e, na Covilhã, jogámos três jogos com seleções nacionais (duas sub-18 e uma sub-16). Do conhecimento que temos, as seleções europeias que lutam pelos melhores lugares na classificação fazem entre 5 a 10 jogos de preparação antes de disputar os Europeus.

Carolina Bernardeco e Maria Kostourkova – as duas no melhor cinco do torneio – dão todos os sinais de que poderão ser duas jogadoras muito consistentes em qualquer nível competitivo. No entanto, neste torneio, outras jogadoras (Chelsea Guimarães, Sofia Almeida, Carolina Gonçalves, Maianca Umabano e Leonor Serralheiro) constituíram uma segunda linha muito forte, jogando quase todas nos limites das suas possibilidades. O fator casa, com o pavilhão sempre cheio, foi essencial para isso ter acontecido?
O entusiasmante ambiente que se viveu em Matosinhos ultrapassou largamente as minhas melhores expectativas e foi um grande impulsionador das nossas exibições. Estava um bocadinho receosa acerca da forma como iríamos reagir ao "jogar em casa" e, ainda por cima, com o pavilhão cheio, dia após dia, a apoiar...mas as nossas atletas revelaram uma maturidade e um equilíbrio emocional fantástico que se traduziu ainda em mais querer, vontade, espirito de sacrifício e concentração.

Como se prepara o scouting para uma competição destas? O que foi feito antes do torneio começar? De resto, durante a competição, a equipa técnica portuguesa foi uma presença constante no pavilhão – isso terá sido essencial para encarar cada partida com maior segurança?
Antes do torneio tivemos acesso a muito poucos dados dos nossos adversários, apenas resultados de torneios ou jogos de preparação. Durante o Europeu, preparámos todos os jogos da mesma forma. Vemos os nossos adversários a jogar ao vivo, analisamos dados estatísticos e vídeos, selecionamos a informação que achamos pertinente e fazemos uma pequena montagem de vídeo que mostramos às jogadoras. No treino da manhã do jogo, abordamos uma ou outra questão estratégica que queremos que aconteça no jogo e estamos prontas para jogar. Da nossa parte, equipa técnica, estando a jogar em Portugal e tendo facilidade de nos movimentarmos pelos dois pavilhões, é claro que preferimos ver jogos, sentir o ambiente, falar com colegas treinadores e amigos e, de certa forma, tranquilizarmo-nos para "o nosso jogo".

No torneio, foi ficando claro que a Sérvia e Portugal estariam um passo à frente das suas concorrentes, devido a um plantel mais forte, mas que teriam que enfrentar equipas com organizações coletivas muito complicadas, como Israel, Dinamarca e Finlândia. A equipa portuguesa alterou a sua filosofia de jogo consoante o adversário, ou tentou, sobretudo, impor o seu estilo sobre os adversários?
Na abordagem que fizemos aos jogos focamo-nos muito nos nossos conteúdos e processos táticos e na forma de os rentabilizar. Acreditámos muito no trabalho e na consistência, aliás, dizemos muitas vezes entre nós que "nós somos o que fazemos diariamente"...dentro e fora do campo.

Beatriz Jordão, a mais jovem da equipa
Deste grupo, Constança Neto, Catarina Mateus e Beatriz Jordão são as únicas jogadoras que poderão aproveitar a subida de divisão, representando Portugal na Divisão A na próxima temporada. A presença de jogadoras mais jovens é essencial para criar as ligações, de ano para ano, dentro da equipa? Essa experiência acrescenta valor ao grupo?
Nós escolhemos as 12 jogadoras que disputam os Europeus no pressuposto lógico de formarmos a melhor equipa possível. Se nas 12 escolhidas puder haver atletas mais novas, à partida, tanto melhor poderá ser no ano seguinte, pois poderão transmitir vivências, sensações e hábitos/regras. É sempre uma forma diferente de passar a mensagem sem serem os treinadores...é alguém como elas que conta como foi e passa a ter uma ideia do quanto é preciso trabalhar para ter sucesso.

Em torneios de Sub-16 temos a vantagem de encontrar, ano após ano, aquelas que serão as principais jogadoras da modalidade para a próxima década. Como decorre a prospeção de talentos em Portugal? O que está a ser feito - e o que poderia ser alterado, no futuro – quer pela Federação, quer pelos clubes, para manter o nível de crescimento a que temos assistido?
A Federação tem posto em prática um projeto de Sessões Regulares de Trabalho Técnico, coordenado, no feminino, pelo Ricardo Vasconcelos. Nesses treinos são observadas as jogadoras que as Associações/Clubes acham ter mais interesse e potencial. Vamos também ver jogos, fases finais e contactando frequentemente com os colegas treinadores que nos vão dando as informações que consideram pertinentes. Depois disso, filtramos os dados e elaboramos uma lista "aberta" de jogadoras de interesse nacional.
Temos feito também um estágio por ano de sub-15, onde observamos e avaliamos a prestação das atletas. Em termos futuros, tenho esperança que a suspensão do CNT de sub-15 e sub-16 esteja para acabar, pois a sua atividade foi essencial para o crescimento e desenvolvimento a que temos assistido no basquetebol feminino.

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