quinta-feira, 17 de março de 2011

Odisseia


Natural da ilha de Ítaca, a aventura  de Giannis Ladakis começa no pequeno clube da sua cidade, o Keravnos Vathi, onde jogou na equipa principal com apenas catorze anos. Considerado um talento natural, Ladakis foi convidado a ir para as escolas de formação do OFI Creta, um histórico clube grego. No entanto, Ladakis nunca se adaptou nem à ilha, nem às gentes. Tendo completado ali toda a sua formação e os primeiros anos de profissional, Ladakis, em jeito de brincadeira, chamava à sua estadia em Creta “o meu muito pessoal Cerco a Tróia”. E a verdade é que um dos seus últimos jogos foi uma guerra contra os italianos do Atalanta. Num jogo a contar para a Taça das Taças, a 27 de Outubro de 1987, Ladakis foi um dos grandes heróis que permitiu a vitória da equipa da casa. No entanto, uma grave lesão nos ligamentos do joelho esquerdo colocaram-no de fora o resto da época. Ladakis deixaria Creta no Verão seguinte.
Em 1988, Giannis Ladakis tornou-se o primeiro grego a jogar no campeonato sueco. Tal acontecimento deveu-se a um empresário que ele conheceu em tempo de férias, na Ilha de Creta. Ladakis era um autêntico guerreiro em campo. Um número dez com instinto sanguinário. Inequivocamente, um grego. Chegou à Suécia para jogar no Djurgardens IF, um clube de Estocolmo, conseguindo nesse ano ir até à final da Taça local. No entanto, para Ladakis, jogar naquele campeonato era um constante encontro com gigantes. Tendo pouco mais de 1m70, o médio grego enfrentava, semanalmente, defesas com mais vinte centímetros do que ele. Era uma guerra dura, fisicamente extenuante, que nem o dedicado Ladakis acreditava aguentar por muito tempo.
No final do ano foi então transferido para o Viking Stavanger, da Noruega. Stavanger é conhecida por ser a cidade do vento, tanto que Ladakis se habituou, nos jogos em casa, a não fazer nenhum passe em profundidade. A única opção era mesmo a de jogar a bola rente à relva, aguentando o embate do Deus Eólio, que tanto dificultava o seu jogo. A sua passagem pelo campeonato norueguês não é, em nada, digna de registo. Na época de 89-90, o Viking ficou a meio da tabela, Ladakis nunca conseguiu expressar o seu futebol, e decidiu, uma vez mais, procurar maneira de ser feliz noutro lugar.
Giannis Ladakis era, nesta altura, um homem sem rumo. O seu empresário levara-o para a Irlanda, onde assinou pelo St. Patrick Athletic, uma equipa de Dublin. Pela primeira vez, o seu futebol parecia ganhar brilho longe de casa. A equipa sagrou-se campeã irlandesa nesse primeiro ano, Ladakis fez amigos entre os jogadores amadores que partilhavam consigo o balneário, pensou até que Dublin seria a sua cidade para sempre. Na verdade, esse título foi uma espécie de canto do cisne para o St. Patrick e para Ladakis. Acumulando dívidas, os jogadores foram saindo do clube. Ladakis, esse, desfez a ligação ao empresário, encontrou trabalho como biscateiro e entregou-se à bebida. Brilhando dentro do campo, todas as semanas, isso não era o suficiente para o fazer feliz. Ia assim perdendo a sua vida pelas ruas de Dublin. Foram quatro anos em que o declínio da equipa, depois do brilho do título, estava personalizado no declínio de Ladakis. E só no Verão de 94 Ladakis pareceu encontrar a sua Minerva, o que lhe augurou um futuro de boa sorte no regresso a casa.
Mas nem isso seria assim tão fácil. Inspirado a regressar a casa, Giannis Ladakis acabou por aceitar um convite de um colega que abrira um negócio na Ilha de Malta. O negócio consistia em receber e distribuir bebida por uma série de estâncias turísticas na Ilha. Giannis, valendo-se do seu passado de futebolista profissional, acabou por arranjar lugar na equipa do Rabat Ajax, que nessa época jogava na Segunda Divisão local. Enquanto em campo Giannis se arrastava, fora dele, as coisas não podiam correr pior. Por falta de licenças, de conhecimentos locais e de de alguma sorte, o seu colega irlandês regressou tão depressa a Dublin quanto tinha voltado, deixando Ladakis perdido em Malta, sem emprego, sem conhecimentos, salvo apenas pela alimentação que recebia do seu clube pelos préstimos dados em campo. Foi uma descida aos infernos que fez com que Giannis acordasse para a realidade. O regresso a casa estava agora mais perto do que nunca.
Não resistiu, ainda assim, ao canto da sereia que lhe prometia uma pequena glória futebolística antes de chegar a bom porto. Foi por isso que assinou contrato com o Alki Larnaca, equipa do campeonato cipriota. Foram três anos em que Giannis viveu como se de um grande jogador se tratasse. O clube cedia aos seus jogadores um estatuto de semi-profissionais. Treinavam todos os dias e faziam pequenos serviços no clube em troca do seu salário. De resto, podiam aproveitar a vida de Larnaca, um dos grandes centros turísticos desta ilha. Giannis Ladakis vivia feliz. O canto da sereia chamava-o para os abusos alcoólicos do passado, mas era agora um homem com mais de trinta anos, consciente de que precisava de se manter sóbrio para manter o emprego.
Pelo Chipre ficou até 1998, quando decidiu voltar a Vathi. Regressou também ao seu clube de origem, o Keravnos Vathi, um clube das ligas amadoras da Grécia. Quando fez o seu primeiro jogo, neste regresso, a maioria dos adeptos não o reconheceu. Do rapaz que tudo prometera, vinte anos antes, pouco sobrava. Giannis Ladakis não tinha entrado na história. Mas, por outro lado, cumprindo o destino do famoso Ulisses de Ítaca, Giannis tinha dado a volta ao seu mundo, resistido a todos os incidentes e acidentes do percurso, e chegava a casa, para ser feliz entre os seus. Por isso, ao ver a bola beijar aqueles pés calejados de tantas viagens e a encontrar, pela primeira vez desde o regresso, o caminho da baliza adversária, os adeptos do Keravnos souberam que o seu rei tinha voltado a casa. E sentiram-se felizes com isso.  

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