Raul Duarte, treinador do Recreativo de Libolo, conversou com o Planeta Basket sobre o Basquetebol Angolano e os desafios que se lhe colocam no momento actual.
Raul Duarte |
O treinador angolano iniciou a sua carreira em 1982, liderando a equipa de Cadetes Femininos do Inter de Luanda. Até ao ano 2000 trabalhou no sector feminino, voltando-se depois para o basquetebol masculino, como treinador do Inter. Passou pelo Petro e pela Selecção, onde foi técnico adjunto de Mário Palma durante quatro anos. Em Setembro de 2008 foi convidado para liderar o projecto basquetebolístico do Libolo, equipa que treina actualmente, com reconhecido sucesso.
Raul, Angola é a principal força do Basquetebol africano. Na tua opinião, quais são as razões desse sucesso?
Creio, Luís, que o sucesso do basquete nacional deve-se a alguns factores:
a) O apoio do estado angolano que, no pós independência, definiu o desporto como um dos principais factores de promoção do país além fronteiras, bem como o aproveitamento desse factor feito por um grupo de jovens de treinadores liderados por Victorino Cunha, num projecto de desenvolvimento da modalidade.
b) Na qualidade do treino feito em Angola, quer em relação ao conteúdo do treino, bem como à incidência, volume e intensidade. Neste aspecto do treino, refiro os clubes e selecções nacionais que já fizeram 10 treinos semanais e chegaram a ter volumes na ordem das 30 horas.
c)A grande aposta dos clubes nos seus escalões de formação permitindo que a médio prazo a nossa selecção que participou no 1º campeonato africano (1978) e a que ganhou o primeiro campeonato africano de seniores (1989) fosse completamente diferente.
Recordar que o nosso primeiro triunfo apôs a independência foi o campeonato africano de juniores, treinados por Mário Palma, em 1980.
Sentes que esse sucesso tem acontecido pelo trabalho desenvolvido em Angola ser superior ao dos outros países ou, por, simplesmente, os outros países não apostarem tanto no basquetebol?
Pelos factores descritos e pelo facto do governo de Angola, até 1989, ser de regime monopartidário e assumir a responsabilidade na formação de quadros, quer a nível interno, quer através da possibilidade de melhoria de conhecimentos no exterior do país. Esse factor fez com que houvesse uma forte competição interna onde os treinadores como Vitorino, Romero, Palma, Tonecas, Beto Portugal e outros "lutassem" para que os seus clubes fossem mais fortes. Essa sã rivalidade acabou por ser muito frutuosa para o basquetebol nacional.
Tivemos muito mérito na supremacia alcançada pois a R. Centro Africana, a Costa do Marfim, o Senegal e o Egipto eram os melhores em África e tinham, como têm até hoje, melhor biótipo para o basquetebol. O que se passa é que deixaram de formar bem os seus formadores e os países vivem problemas organizativos, financeiros e sociais muito graves.
Como está a situação da formação em Angola? Existem condições para manter o elevado nível do basquetebol angolano?
É o grande perigo da nossa modalidade. Problemas com a adulteração das idades, como a falta de cursos para treinadores com a regularidade exigida, com os treinadores nacionais, fruto dos baixos salários, a não terem a possibilidade de se formarem ou melhorarem os seus conhecimentos através de clinic´s ou outras formações similares no exterior do país. O governo deixou de assumir essa tarefa no desporto, com os clubes e dirigentes na generalidade a não compreenderem que o sucesso foi conseguido através do investimento nesta área. Existe algum cepticismo em relação ao futuro.
Ao nível competitivo, a organização dos campeonatos responde à necessidade de evolução dos jovens angolanos?
O calendário de provas nacionais é muito curto. Existem em Angola poucos clubes. Grande percentagem do número de praticantes está concentrada em Luanda(80%) e, justiça seja feita, somente dois clubes continuam empenhados nesta matéria , apesar de todas as dificuldades que sabemos que existem. Trata-se do 1º de Agosto e Petro.
A Competição interna não tem o nível desejado, nem em termos organizativos, nem competitivos.
Ainda assim, hoje em dia, o poderio financeiro tem permitido às equipas segurar os seus melhores jogadores. Tem-se notado em termos competitivos no BAI Basket?
É um facto. Todos os jogadores da nossa equipa nacional jogam no Bai Basket. As últimas três épocas ilustram esse factor. Há uma dispersão dos melhores jogadores pelos diversos clubes, o que torna o nosso campeonato muito equilibrado, tendo também terminando com a bipolarização Petro-1º de Agosto.
Equipa do Rec. Libolo |
Angola poderia beneficiar se tivesse mais jogadores a competir na Europa?
Creio que sim, desde que estes jogadores pudessem jogar em clubes inseridos nas melhores ligas europeias ,bem como nas competições europeias de clubes.
Trabalhaste de perto com o Mário Palma, na Selecção Angolana. Para ti foi uma aprendizagem? Como afectou/alterou a tua visão do jogo e do treino?
Sem dúvida que sim. Sou da geração que não teve a oportunidade de estar regularmente em clinic`s ou de ter estágios em clubes em outras partes do globo.
Estar com Mário Palma durante quatro anos alterou a minha forma de ver o jogo tacticamente, na observação dos adversários, no pensar na estratégia para o jogo e mesmo em relação à percentagem dedicada à táctica no conteúdo do treino. Outra questão positiva é a disponibilidade permanente do Mário para a conversa sobre o basket, sobre o jogo.
No que toca ao treino, quais são as metodologias mais utilizadas em Angola? Como respondem os jogadores ao treino?
A cultura do basket angolano assenta em quatro pilares:
a)excelente preparação físico/atlética
b) forte defesa(hábito que vamos perdendo)
c)rápidas transições(lutando pela vantagem numérica).
d)boa selecção do lançamento
A resposta dos atletas ao treino é fantástica.
Existe algum fórum onde os treinadores angolanos possam acompanhar as evoluções de metodologia de treino? Alguma associação que assegure essa troca de experiências?
A A.N.T.B., cujo novo elenco directivo foi empossada em Fevereiro do ano passado, tem no seu programa de actividades a realização anual de um clinic com prelectores de bom nível. Foi assim que em Outubro do ano passado realizamos o 1º clinic internacional, com a presença de Sérgio Valdeolmillos e Txus Vidorreta, treinadores com experiência ACB.
A Federação tenta neste momento relançar o programa de formação contínua que, desde 1989, não consegue ter a regularidade exigida para um país com tamanho sucesso desportivo.
No teu currículo, dedicaste muitos anos ao Basquetebol Feminino. Há alguma aposta concreta nessa vertente da modalidade?
Um dos factores que fez com que me afastasse do feminino foi a ausência de objectivos para o sector, desde a programação da competição à sua regularidade.
Hoje a FAB tem objectivos claros para a equipa nacional. Trabalhar para que no curto/médio prazo seja possível estar numa fase final do campeonato africano e consequente apuramento para o campeonato do mundo. Tem também possibilitado uma melhor preparação para que se alcance tal objectivo.
Quais são as principais dificuldades das jovens angolanas no acesso à prática do basquetebol?
Inúmeras. Já foi mais difícil. A principal tem a ver com a questão cultural. É a jovem que cuida da casa, dos irmãos, da roupa, das compras, e de outras tarefas muito próprias de um país sujeito a trinta anos de conflito armado, restando pouco tempo para a pratica desportiva. Outro detalhe é o pouco acompanhamento e reforço positivo da família(pais) para o envolvimento da jovem no desporto.
E quais são as diferenças na liderança de um grupo de masculinos e femininos?
Absolutamente nenhumas.
Acompanhas o Basquetebol Português? Qual a tua opinião sobre o nível das nossas equipas?
De bom nível e com equipas mais equilibradas do ponto de vista competitivo, fruto de recursos financeiros muito próximos, bem diferente da nossa realidade.
Do ponto de vista táctico são muito organizadas, com eficácia no tiro e boa leitura do jogo, fruto dos anos de prática desportiva.
No Planeta Basket temos feito uma aposta na divulgação do basquetebol como filosofia de vida. Qual o significado desta modalidade para um homem como tu?
Amo o Basket desde o primeiro dia em que vi uma tabela e uma bola, quando tinha onze anos de idade, na escola preparatória. É a minha vida.
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