Há jogos que são diferentes porque trazem agarrados a si uma
certa carga simbólica. Muitas vezes nem está relacionada com os jogadores, mas
sim com os treinadores. O Real Madrid-Galatasaray de hoje é o exemplo perfeito
desse simbolismo. Frente-a-frente estarão dois mestres da modalidade: José
Mourinho e Fatih Terim. O mundo habituou-se a admirar estes dois treinadores
pela sua dedicação ao jogo, pelo sucesso das suas ideias e, sobretudo, pelas
suas personalidades fortes.
Neste caso, apesar do misticismo de ambos os técnicos,
podemos quase falar de um confronto entre David e Golias, sobretudo na dimensão
histórica e financeira de ambas as equipas. É certo que esta vai ser uma
eliminatória muito complicada para o Real Madrid, mas os merengues não deixam
de ser totalmente favoritos. Até porque o desejo de vencer a mítica Décima
continua a criar enorme ilusão no seio do madridismo. Esta é uma eliminatória
que o Real Madrid jamais poderá perder…
Pela frente terá uma das grandes surpresas desta edição da
Champions League. O Galatasaray do Imperador Fatih Terim regressou pela porta
grande à maior competição europeia de clubes. A fase de grupos teve altos e
baixos. Os pontos altos foram os jogos fora e o jogo caseiro frente a um Manchester
United de reserva. No entanto, apesar dessa vitória caseira, toda a gente
recorda a exibição com momentos a roçar o brilhante em pleno Old Trafford,
apesar da derrota (1-0).
Hoje, Terim deverá colocar em campo o mesmo “onze” que
brilhou há 3 semanas, na vitória por 3-2 em casa do Schalke 04. Na baliza,
estará o seguríssimo Fernando Muslera, guardião com excelentes reflexos e autor
de enormes paradas ao longo desta grandiosa campanha europeia dos turcos. A
defesa será composta por dois laterais com projecção ofensiva: à direita, Eboué
e à esquerda Riera. Se os alas interiorizarem o seu jogo, estes ficam com
espaço livre para dar profundidade. No centro, Semih Kaya e Nounkeu. O primeiro
é a maior promessa defensiva da Turquia. É um jogador muito técnico e com boa
saída de bola, embora lhe falte velocidade, precisamente uma característica
inerente a Nounkeu. O camaronês de 26 anos, porém, tem algumas debilidades do
ponto de vista técnico e desposiciona-se com relativa facilidade.
O meio-campo é o sector mais forte. O líder é Selçuk Inan,
uma autoridade ao nível do passe. Coloca a bola onde quer e além disso é um
excelente executante de bolas paradas. Tem jogado mais recuado mas pode
desempenhar o papel de médio organizador de jogo. A seu lado, o brasileiro
Felipe Melo. Um trabalhador incansável, grande auxílio para Inan e para a dupla
de centrais. Pena alguma dureza, por vezes incontrolável. Nas alas, Altintop
(direita) e Sneijder (esquerda), com tendência a movimentos interiores, como
vimos em Gelsenkirchen. Uma das chaves dessa 1ª parte foi, aliás, a colocação
de Altintop mais perto de Melo e Inan e a movimentação de Sneijder para perto
da posição “10” (sua posição por natureza). A equipa jogou com maior
intensidade e qualidade nesse período de jogo.
No ataque, estão dois autênticos colossos: Burak Yilmaz e
Didier Drogba. O turco é o melhor marcador da Champions, a par de Ronaldo, com
8 golos. É um jogador soberbo do ponto de vista técnico e físico. É um
finalizador-nato. Além disso, o entendimento com Drogba é perfeito. O
costa-marfinense de 35 anos está menos rápido mas mantém intactas boa parte das
qualidades que o notabilizaram ao longo dos últimos anos: garantia de apoios,
bom controlo de bola e capacidade para jogar fora da área. É o complemento
ideal para Yilmaz a este nível. Quer pela experiência, como pela enorme
qualidade.
Acredito que os turcos procurarão ter bola. Faz parte do ADN
das equipas de Terim. Quanto mais posse a equipa tiver, mas cómoda se sente em
campo. O problema passa por travar a transição rápida do Real Madrid. Com
extremos verticais e velozes como Ronaldo e Di Maria, os turcos podem passar
muito maus bocados se não mantiverem a organização atrás.
Acredito seriamente que o Real possa consentir a posse de
bola. Já vimos a equipa de Mourinho fazê-lo em casa perante equipas inferiores
(por exemplo, frente ao Athletic de Bielsa). Efectivamente, o campeão espanhol
sente-se muito confortável a jogar em contra-ataque.
No entanto, esta é uma opção meramente hipotética, tendo em
conta aquilo que conhecemos das equipas. Uma coisa parece-me certa: o Real
Madrid vai entrar em campo com o “onze” de gala. Diego López; Arbeloa, Varane,
Ramos, Coentrão; Khedira, Xabi Alonso; Ronaldo, Ozil e Di Maria mais o
ponta-de-lança Karim Benzema. Tantas poupanças no campeonato indiciam um desejo
ardente de levantar a Taça em Wembley. Este é um “onze” das grandes noites. CR7
e Di Maria estão em grande forma, Ozil é um criador de 2ª linha soberbo e atrás
há que contar sempre com a visão de jogo de Xabi Alonso e as movimentações mais
ofensivas de Khedira. Além disso, atenção a Fábio Coentrão: o português travará
um duelo interessante com Eboué. Em velocidade, pelo menos, podemos esperar
clara vantagem do miúdo das Caxinas…
Perspectiva-se, então, uma boa partida de futebol. O Real
Madrid tem toda a pressão deste e doutro mundo, o Galatasaray tem a expectativa
de aproveitar sobretudo o factor-casa, na 2ª mão. Acredito que a equipa de José
Mourinho tem condições para deixar a eliminatória bem encaminhada já hoje. No
entanto, vale mais ser cauteloso e pensar na eliminatória como um conjunto de
duas mãos. Os turcos são fortes em casa, mas quem ganha em Camp Nou ou Old
Trafford tem todas as condições para o fazer na Turquia também…
Pontos-chaves do jogo:
1.
Bolas paradas. São o ponto débil do Galatasaray.
As marcações são algo descuidadas e abrem espaços para a entrada de jogadores
fortes no jogo aéreo. Curiosamente, também o Real sente problemas nesse tipo de
situações, em termos defensivos.
2.
Duelo Ronaldo/Yilmaz. Os melhores marcadores da
Champions. 8 golos cada. Jogadores de características diferentes, mas de grande
qualidade. Se Terim deve entrar em pânico de cada vez que pensa como marcar
Ronaldo, também Mourinho não estará confortável ao pensar nas movimentações e
qualidade física e técnica de Yilmaz. Bom duelo em perspectiva!
3.
Parar Selçuk Inan. Deve ser uma das prioridades
do meio-campo madridista. Asfixiando o cérebro da equipa colocam-se enormes
entraves à construção de jogo ofensivo do Galatasaray. Xabi Alonso e Khedira
terão papel importantíssimo.
4.
Espaços laterais dos turcos. Por vezes, Eboué e
Riera adiantam demasiado. Em situação de posse e construção ofensiva, são
jogadores participativos. Depois custa a recuar, sobretudo a Eboué.
5.
Centrais inseguros. Kaya é bom tecnicamente mas
extremamente volátil em termos de velocidade. Nounkeu é rápido mas deixa muitos
espaços. Com C.Ronaldo e Benzema pela frente, os dois centrais vão ter
autêntica prova de fogo. Será muito difícil ajudarem a manter a baliza de
Muslera inviolada…
Sem comentários:
Enviar um comentário