Marko Prso lembra-se bem do dia
22 de Junho de 1986. Foi o dia em que teve a certeza de que iria ser jogador de
futebol. Estava na casa dos primos do seu pai, em Pristina. Um dos seus
afastados primos tinha casado no dia anterior e, como era tradição da família
Prso, todos se juntaram em volta desse casadoiro familiar. A família Prso
estava espalhada por toda a Jugoslávia, dez irmãos nascidos em Belgrado mas
divididos pelas diversas províncias, quase todos, em trabalhos ligados à
administração pública. Então, nesse dia do Verão de 1986, Marko estava em
frente à televisão a ver o jogo do Mundial do México, Maradona recebeu a bola
ainda atrás do meio campo e correu entre uma série de adversários ingleses até,
praticamente, entrar baliza dentro com a bola nos pés. Marko ia ser
futebolista.
Na verdade, Marko já jogava
futebol há uns anos, na escola do FK Rad. Era o clube que ficava mais perto da
sua casa no Bairro de Banjica, curiosamente, no caminho para a escola que
frenquentava. Quando Marko Prso revelou qualidades para ser futebolista, o seu
pai decidira inscrevê-lo no clube. Digamos que o FK Rad compensava na sua
escola de formação a falta de títulos relevantes no seu historial. Mas havia
sido, claramente, uma escolha de proximidade. Marko Prso cresceu como homem e
como jogador no relvado do Estádio Kralj Petar. O seu futebol nunca mereceu
chamadas às selecções jovens porque essas eram dominadas pelos grandes clubes
da cidade e pelos clubes de Zagreb. Mas foi sem surpresa que, aos 17 anos, se
estreou na equipa principal do FK Rad.
Nessa época de 89-90, Marko jogou
apenas três vezes na equipa. Dividia-se entre os treinos, os jogos nos juniores
e a escola secundária, onde pensava conseguir colocação na Universidade. Marko
era um exemplo dos jovens criados na disciplina dos regimes de leste.
Desportista e estudante dedicado, conseguia, graças ao esforço da sua família e
à benesse de dirigentes e professores, conciliar ambas as carreiras. A verdade
é que, no final dessa época, realizou os exames necessários para se tornar
estudante da Universidade de Belgrado. Na época seguinte, a vida de Marko
começou a sofrer com a inconstância política do seu país. As notícias vindas
dos seus familiares eram cada vez mais preocupantes e, na Universidade, Marko
assistia a longos debates de estudantes oriundos de diversas repúblicas que
ameaçavam, agora, declarar a sua independência.
Ainda assim, o futebol de Marko
Prso encontrava espaço para sobressair. Sendo utilizado regularmente na equipa
do FK Rad, Marko acabava por beneficiar do facto de vários jogadores croatas e
eslovenos se recusarem a jogar na Selecção da Jugoslávia para se sentar, pela
primeira vez, no banco da Selecção, no dia 16 de Maio de 1991, no jogo contra
as Ilhas Faroé. Esse jogo foi tão mais significativo por, numa altura em que o
território já começava a provar os primeiros dissabores da guerra, ter sido o
último realizado pela equipa da Jugoslávia unificada em casa. Marko Prso voltou
a ser convocado para os jogos seguintes, sempre sem ser utilizado, e esteve na
concentração da Selecção que acabou por ser excluída do Euro 92.
O sonho de Marko tropeçava assim
numa guerra que ele compreendia mal. No Verão de 92, o seu pai era um homem
abatido, desconhecendo o paradeiro de três dos seus irmãos, algures na Bósnia
ou no Kosovo. Marko Prso percebeu que, mais importante que o sonho de
futebolista, era a sua família, aquela mesma família que se juntava em redor
dos seus antes da guerra. Então alistou-se no Exército Sérvio e partiu para o
conflito. Marko fizera isto para que o seu pai pudesse, através dele, manter-se
informado do que se passava na guerra, no dia-a-dia das populações e dos
militares. Uma forma de tentar sossegar o seu pai entregando-se ao suplício de
lutar por algo que lhe custava definir. Era uma opção estranha, mas uma opção
que todos, em sua casa, compreenderam.
Entre 1992 e 1995, Marko Prso não
jogou futebol. Só quando voltou a instalar-se em Belgrado, suportando mal a notícia
da morte de quatro dos seus tios e de nove dos seus primos, Marko Prso voltou a
colocar a hipótese de tocar numa bola. O jovem estudante e desportista tinha
ficado para trás. Ele era agora um homem, definitivamente marcado pela
experiência da guerra, com a cabeça tomada pela incompreensão. Precisou ainda
de muito tempo para acertar o seu passo com o passo de uma cidade em paz. Mais
ainda para se sentir seguro entre outros homens e mulheres que, na verdade, não
lhe queriam mal nenhum. E um outro tanto para poder voltar a vestir uma
camisola e a entrar num relvado.
Em Setembro de 1999, Marko Prso
foi suplente utilizado no jogo entre o Hadjuk Belgrado e o Zemun. Com a
camisola branca e vermelha do Hadjuk, perto dos 80 minutos de jogo, Marko Prso
dominou a bola junto à linha do meio-campo, avançou entre o surpreendido e o
raivoso entre os defesas adversários e entrou com a bola pela baliza dentro. Na
bancada, o seu pai e dois dos seus tios choravam. Marko Prso correu até à linha
lateral, com um sorriso triste. Marko Prso sabia que era um futebolista.
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