Que fique, desde
já, registado o facto de Antonino Cardinale ter corrido atrás de bola de trapo
pelas ruas de Agrigento, durante anos e anos da sua vida, tendo vestido a
camisola do Akragas Calcio, equipa local, quando no ano de 1951 esta fez o seu
primeiro jogo. Jogou durante os últimos três minutos dessa partida contra os
rivais de Caltanissetta, acontecimento que foi aplaudido pelas centenas de
pessoas que se juntaram em volta do rectângulo definido para o jogo. No entanto,
Tonino nunca foi conhecido como jogador de futebol.
Tonino é uma
daquelas figuras que podemos encontrar, sob diferentes moldes, em todas as
cidades do mundo. É o homem que toda a gente conhece, que pouco demora a ser
encontrado, que tem fortes opiniões sobre todas as coisas da cidade, que ama a
cidade com uma entrega e inocência que mais nenhum pode oferecer. Tonino nasceu
e viveu, sempre, em Agrigento. Provavelmente, nunca terá saído sequer dos
limites da cidade em ocasião que não fosse a de acompanhar a equipa local a
terra vizinha onde disputasse um jogo de futebol. Mas, jogador de futebol,
Tonino nunca foi.
O Akragas Calcio
foi o seu clube de sempre. Tinha ainda na memória o A.S.Agrigento, que durante
a sua meninice chegou a andar pela primeira divisão italiana, mesmo em tempo de
guerra. Mas dados os costumeiros problemas de pouca liquidez, o futebol cresceu
em Agrigento com o nome de Akragas, clube do coração de Tonino, que o fez ser
também parte da imagem do clube, convidando-o para envergar a sua camisola em
dia de estreia. Isto foi tanto mais marcante que permitiu, nesse jogo, a
imposição de uma substituição, quando ainda nem sequer existia essa
possibilidade nos livros de regras.
Tonino sofreu
imenso junto das quatro linhas em todos os jogos do Akragas. Para mais, a
história do seu clube do coração fez-se de constantes altos e baixos, sempre
nas mais secundárias divisões do futebol italiano. As camisolas azuis e brancas
povoavam os sonhos de Tonino, desejoso de voltar a ter, em Agrigento, uma
equipa que pudesse ombrear com as maiores de Itália. Mas a glória da sua cidade
tinha ficado na história como cidade grega, sendo que nada indicava que a
glória futebolística pudesse, alguma vez, dar-lhe um pouco da sua atenção.
Pelas fileiras
do Akragas passaram nomes famosos do futebol italiano, apesar de, tal como no
caso de Tonino, nenhum deles por ser grande futebolista. Tonino viu o famoso futuro
dirigente da Juventus, Lucciano Moggi, vestir a camisola azul e branca. Também
viu o futuro grande treinador Gigi Maifredi fazer o mesmo. Mas, perante
sucessivos falhanços nas contratações chegadas do continente, o Akragas passou
a utilizar apenas homens da casa, sicilianos que garantiam uma dedicação e uma
lealdade que nenhum rapaz chegado do continente poderia assegurar.
Conta-se que,
por isso mesmo, foram recusados, quando ainda eram jovens acabados de sair das
escolas de formação, Roberto Baggio e Nicola Berti, para além de Vicenzo Scifo,
o belga que, a todo o custo, o pai queria tornar italiano. A história foi
madrasta para o Akragas Calcio, tal como para Tonino. Tanta falta de sorte
objectiva ia-lhes marcando os dias e as épocas, com resultados cada vez menos
lisonjeiros, com o crescimento de outros clubes da ilha a ocuparem, agora, a
fome de futebol de primeira às gentes de Agrigento, que se dispunham a ir até
Palermo ou Catania para ver os seus heróis.
Tonino é que não
deixou, nunca, de ser o mais fiel fã do Akranas Calcio. Fosse na Série C, na
Série D ou nos campeonatos regionais, Tonino lá estava, junto às linhas, o
décimo segundo jogador desta equipa esquecida por todas as histórias do
futebol. Mesmo quando o clube mudou de nome, ficando conhecido por
Agrigento/Favara ou Agrigento Hinterland, Tonino lá continuava, como se nada tivesse
mudado, gritando pelo Akranas. Mesmo quando, dados os problemas financeiros do
costume, a equipa ficou sem competir algumas épocas, Tonino nunca deixou de,
mesmo que apenas na sua cabeça, apoiar o seu clube de sempre.
Dedicação como
esta, acredito eu, pode bem ser encontrada em todas as cidades do mundo, em
todos os clubes, existentes e inexistentes do mundo. Tonino foi talvez o
jogador mais importante do Akranas Calcio, porque foi ele a única pessoa que
sempre viveu o clube como se vivesse a sua própria vida. Mesmo que nunca tenha
marcado um golo, feito uma finta, liderado, sequer, a organização de uma
barreira perante um livre directo adversários. Mesmo que tenha apenas jogado
por três minutos com a camisola azul e branca, mesmo que apenas num jogo não
oficial. Tonino nunca foi jogador de futebol. Mas que interessa isso, perante o
que Tonino ainda continua a ser?
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