quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Cidades de futebol abandonadas


Que fique, desde já, registado o facto de Antonino Cardinale ter corrido atrás de bola de trapo pelas ruas de Agrigento, durante anos e anos da sua vida, tendo vestido a camisola do Akragas Calcio, equipa local, quando no ano de 1951 esta fez o seu primeiro jogo. Jogou durante os últimos três minutos dessa partida contra os rivais de Caltanissetta, acontecimento que foi aplaudido pelas centenas de pessoas que se juntaram em volta do rectângulo definido para o jogo. No entanto, Tonino nunca foi conhecido como jogador de futebol.
Tonino é uma daquelas figuras que podemos encontrar, sob diferentes moldes, em todas as cidades do mundo. É o homem que toda a gente conhece, que pouco demora a ser encontrado, que tem fortes opiniões sobre todas as coisas da cidade, que ama a cidade com uma entrega e inocência que mais nenhum pode oferecer. Tonino nasceu e viveu, sempre, em Agrigento. Provavelmente, nunca terá saído sequer dos limites da cidade em ocasião que não fosse a de acompanhar a equipa local a terra vizinha onde disputasse um jogo de futebol. Mas, jogador de futebol, Tonino nunca foi.
O Akragas Calcio foi o seu clube de sempre. Tinha ainda na memória o A.S.Agrigento, que durante a sua meninice chegou a andar pela primeira divisão italiana, mesmo em tempo de guerra. Mas dados os costumeiros problemas de pouca liquidez, o futebol cresceu em Agrigento com o nome de Akragas, clube do coração de Tonino, que o fez ser também parte da imagem do clube, convidando-o para envergar a sua camisola em dia de estreia. Isto foi tanto mais marcante que permitiu, nesse jogo, a imposição de uma substituição, quando ainda nem sequer existia essa possibilidade nos livros de regras.
Tonino sofreu imenso junto das quatro linhas em todos os jogos do Akragas. Para mais, a história do seu clube do coração fez-se de constantes altos e baixos, sempre nas mais secundárias divisões do futebol italiano. As camisolas azuis e brancas povoavam os sonhos de Tonino, desejoso de voltar a ter, em Agrigento, uma equipa que pudesse ombrear com as maiores de Itália. Mas a glória da sua cidade tinha ficado na história como cidade grega, sendo que nada indicava que a glória futebolística pudesse, alguma vez,  dar-lhe um pouco da sua atenção.
Pelas fileiras do Akragas passaram nomes famosos do futebol italiano, apesar de, tal como no caso de Tonino, nenhum deles por ser grande futebolista. Tonino viu o famoso futuro dirigente da Juventus, Lucciano Moggi, vestir a camisola azul e branca. Também viu o futuro grande treinador Gigi Maifredi fazer o mesmo. Mas, perante sucessivos falhanços nas contratações chegadas do continente, o Akragas passou a utilizar apenas homens da casa, sicilianos que garantiam uma dedicação e uma lealdade que nenhum rapaz chegado do continente poderia assegurar.
Conta-se que, por isso mesmo, foram recusados, quando ainda eram jovens acabados de sair das escolas de formação, Roberto Baggio e Nicola Berti, para além de Vicenzo Scifo, o belga que, a todo o custo, o pai queria tornar italiano. A história foi madrasta para o Akragas Calcio, tal como para Tonino. Tanta falta de sorte objectiva ia-lhes marcando os dias e as épocas, com resultados cada vez menos lisonjeiros, com o crescimento de outros clubes da ilha a ocuparem, agora, a fome de futebol de primeira às gentes de Agrigento, que se dispunham a ir até Palermo ou Catania para ver os seus heróis.
Tonino é que não deixou, nunca, de ser o mais fiel fã do Akranas Calcio. Fosse na Série C, na Série D ou nos campeonatos regionais, Tonino lá estava, junto às linhas, o décimo segundo jogador desta equipa esquecida por todas as histórias do futebol. Mesmo quando o clube mudou de nome, ficando conhecido por Agrigento/Favara ou Agrigento Hinterland, Tonino lá continuava, como se nada tivesse mudado, gritando pelo Akranas. Mesmo quando, dados os problemas financeiros do costume, a equipa ficou sem competir algumas épocas, Tonino nunca deixou de, mesmo que apenas na sua cabeça, apoiar o seu clube de sempre.
Dedicação como esta, acredito eu, pode bem ser encontrada em todas as cidades do mundo, em todos os clubes, existentes e inexistentes do mundo. Tonino foi talvez o jogador mais importante do Akranas Calcio, porque foi ele a única pessoa que sempre viveu o clube como se vivesse a sua própria vida. Mesmo que nunca tenha marcado um golo, feito uma finta, liderado, sequer, a organização de uma barreira perante um livre directo adversários. Mesmo que tenha apenas jogado por três minutos com a camisola azul e branca, mesmo que apenas num jogo não oficial. Tonino nunca foi jogador de futebol. Mas que interessa isso, perante o que Tonino ainda continua a ser?

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