quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Caminho


Kim Minsoo nasceu numa Seoul dominada pelos japoneses, em 1940. A vida dos coreanos não era fácil n meio do declínio do Império do Sol Nascente, tanto que, durante a infância, Kim sofreu as devidas consequências. Como se as coisas não pudessem piorar, e pouco depois da Coreia ter declarado a sua independência, a cidade voltou a ser ocupada pelas tropas do Norte, sendo que, desta vez, foi praticamente devastada. Kim tornou-se, desde muito novo, um sobrevivente. Passou fome, muita fome. Viu coisas horríveis, coisas que não se atreveu a contar a ninguém mas que ainda lhe habitam algumas noites em que o sono não lhe vence os medos.
Em 1954, uma Coreia do Sul recentemente pacificada mas totalmente destruída, apresentou uma equipa de futebol no Campeonato do Mundo. Conseguida a qualificação e organizada a viagem para a Suiça, o país ficou na expectativa de resultados que mostrassem ao mundo a fibra deste povo que, pela primeira vez em muito tempo, parecia conseguir dar alguns passos por si próprio, sem que ninguém tentasse uma entrada assassina por trás. Não havendo, nessa época, nenhum serviço de televisão ou rádio na Coreia, a população juntava-se em volta da sede da Federação Coreana de Futebol onde eram relatados os principais eventos dos jogos disputados. O balanço foi pobre, duas derrotas com a Turquia e Hungria, na altura, considerada a melhor equipa do mundo. Mas o bichinho do futebol contagiou a população coreana.
Kim Minsoo fui um dos jovens que descobriu, em 1954, aquilo que quereria fazer para o resto da vida, correr atrás de uma bola de futebol. O campeonato coreano ganhou também algum vigor com a entrada da equipa nacional no Campeonato, por frágeis que tenham sido os resultados. Havia agora uma aposta comum em constituir uma equipa que pudesse obter vitórias fora da Península.  Kim Minsoo tornou-se jogador da Universidade de Kyunghee, disputando o Campeonato Nacional com várias equipas ligadas às estruturas do estado: exército, marinha, serviços secretos, comandos, companhia eléctrica, todos tinham equipas em competição. Kim jogava como interior esquerdo, aparecendo muitas vezes a finalizar as jogadas de ataque da sua equipa. Tinha uma constituição frágil, mas entregava-se à disputa como um verdadeiro guerreiro.
As vitórias internacionais da Coreia do Sul surgiram na Taça Asiática, de onde saiu campeão em 1956 e em 1960, tendo esta última sido disputada em casa, para gáudio de milhares de coreanos cada vez mais loucos por futebol. No entanto, uma nova desilusão surgiu em 1962, com a não qualificação para o Mundial disputado no Chile. Essas derrotas lançaram a discussão sobre a renovação da equipa nacional. Se para alguns, os heróis do Bi-Campeonato Asiático continuavam a ser os melhores jogadores, para outros, era urgente chamar novos jogadores à equipa. Ainda assim, foi com os mais experientes jogadores que a Coreia do Sul se apresentou em Israel para disputar mais uma Taça Asiática. Kim Minsoo, na altura já um jogador com currículo no Campeonato Nacional, ficou mais uma vez de fora.  A equipa nacional fez um torneio sofrível, voltando de Israel com um terceiro lugar inaceitável para quem, pela primeira vez, tinha direito a ver resumos na televisão.
Estavam então lançados os dados para a introdução de novos jogadores  na equipa nacional sul-coreana, a poucos meses da disputa dos Jogos Olímpicos de Tóquio, uma competição que todos, na Coreia do Sul, esperavam bem sucedida. Mas as confusões na preparação do torneio, os problemas para escolher uma equipa que agradasse a todos as equipas do campeonato e a inexperiência internacional dos jogadores escolhidos, deitaram por terra as esperanças coreanas. Quer o treinador, quer os jogadores, eram completamente ignorantes das novidades introduzidas no futebol internacional, quer a nível da preparação física, quer a nível táctico. E começando por defrontar a equipa da Checoslováquia, os sul-coreanos mais pareciam pequenos animais perdidos dentro das quatro linhas. Ao intervalo já perdiam por 4-0. No início da segunda parte, perante um adversário mais relaxado, Kim Minsoo ainda conseguiu reduzir, com um golo que viria a salvar-lhe a carreira de futebolista. Mas até ao final, os checoslovacos marcaram ainda por duas vezes.
Nos dois jogos que se seguiram a experiência não foi melhor. 4-0 contra o Brasil, que se apresentou com uma equipa de jovens, e 10-0 contra a União Árabe, no que ficou por ser a maior humilhação do futebol coreano de todos os tempos. As consequências não se fizeram esperar. Praticamente todos os jogadores foram afastados da Selecção, sendo que em 1966 a Coreia do Sul nem sequer participou na qualificação para o Mundial. A melhor forma de evitar novas vergonhas era, mesmo, não jogar, segundo os dirigentes coreanos. Quando foram retomados os contactos internacionais, Kim Minsoo era o único resistente da tristemente célebre equipa de 64. E após mais duas qualificações falhadas, na Taça da Ásia de 68 e no Mundial de 70, conseguiram voltar à ribalta em 1972.
Na Taça da Ásia disputada na Tailândia, os Coreanos bateram o Cambodja e a Tailândia, tendo empatado, na fase preliminar com o Irão, e perdido com o Kuweit e com o Irão, no reencontro para a final, disputada em Banguecoque. Kim Minsoo foi o líder da equipa, marcando quatro dos sete golos conseguidos. Apesar de ser considerado como o veterano da equipa, a garra que Kim colocava em todas as jogadas, aliadas ao seu profundo instinto de sobrevivência, valeram à Coreia do Sul a restituição do respeito internacional e a Kim a possibilidade de voltar a poder entrar de cabeça erguida nos estádios do seu país. Isso era, agora, a sua maior felicidade. Perceber que tinha escolhido o caminho certo para ser um homem honrado.

A 3ª Divisão - Séries A, B, C e D



Bem nos fundos do baú do futebol nacional português reside o Campeonato Nacional da 3ª Divisão que continua a animar, semanalmente, milhares de pessoas por todo o país. São histórias de grandes rivalidades entre vizinhos, jovens cheios de sonhos de um dia chegarem a ser alguém no futebol, velhas glórias que, por uma razão ou outra, continuam a correr atrás da bola em campos onde o público está mais perto das linhas (algumas vezes, até dentro de campo!).

São oito séries, oito pequenos campeonatos de emoção e desilusão. No final, duas equipas de cada série atinge a glória de subir de divisão, enquanto três delas caem para as divisões distritais. Deitamos agora um olhar para as séries de A a D.

Série A

Depois de no ano passado ter ficado a apenas um ponto da subida, o Vianense reforçou-se para atacar o objectivo uma vez mais. O Bragança, mais experiente, e o Esposende poderão fazer-lhe frente, para além da possibilidade do Fão (provavelmente a equipa mais internacional desta 3ª divisão, como jogadores oriundos da Lituânia, Rússia, Inglaterra, França, Guiné-Bissau…) se colocar como candidato a uma surpresa.

Velhos conhecidos: Luís Coentrão (Vianense) e Pinho (Marinhas)

Série B

Série muito equilibrada onde a principal nota é para o regresso aos campeonatos nacionais de clubes históricos como o Infesta, o Vila Real e o Sporting de Lamego. Os dois primeiros poderão ter a tentação de continuar a subir, mas irão encontrar resistência de equipas como o Sousense ou o Leça, que farão valer os seus atributos numa série em que haverá incerteza até ao final.

Velhos conhecidos: Hélder Calviño (Vila Meã), Filipe Cândido (Sousense), Beaud (Sp.Lamego), Paulo Pereira (Leça) e Schuster (Vila Real)

Série C

Um clube grande (Académico de Viseu), dois clubes a tentar renascer das cinzas (Sanjoanense e Oliveira do Hospital) e um candidato a surpresa (Avanca). Campos pequenos e frios, com adeptos prontos a roer qualquer osso que lhes apareça pela frente. A Série C não é para meninos e os nomes grandes terão sempre que se medir com pequenos e complicados adversários. Mas o Viseu é mesmo o principal favorito.

Velhos conhecidos: Augusto, Luís Vouzela e Bacari (Ac.Viseu) e Marco Abreu (Avanca)

Série D

Os despromovidos Sporting de Pombal e Pampilhosa parecem partir um passo à frente dos restantes concorrentes nesta série. Sourense e Riachense são duas equipas tradicionalmente difíceis, sendo de esperar algo mais do Tocha e do Marinhense, depois de no ano passado não terem conseguido terminar no grupo da frente. De resto, históricos como o Benfica de Castelo Branco, Peniche ou Ginásio de Alcobaça podem sempre surpreender.

Velhos conhecidos: Graça (B.C.Branco), Pedro Duarte (Marinhense), Sérgio Grilo (Pampilhosa), Inzaghi (Peniche) e Fernando (Tocha)

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Vai começar a 2ª Divisão!



Regresso à competição da divisão maior do futebol nacional português, com equipas repartidas por todas as regiões do país. A 2ª Divisão Nacional é uma grande corrida ao ouro, onde das quarenta oito equipas que se apresentam à partida, apenas duas (!) conseguirão a ansiada promoção às divisões profissionais.

Para além dessa aparente injustiça, a competição assume este ano um estranho desenho geográfico, onde a Zona Sul, por exemplo, agrupa equipas desde a Touriz, no norte do Distrito de Coimbra, até Loulé. Mas conta a festa e a competitividade, sendo que cada série agrupa vários candidatos.

Na Zona Norte, o Desportivo de Chaves parece levar o favoritismo. Treinado por João Eusébio, a equipa flaviense tenta contornar as dificuldades económicas contratando jogadores muito experientes, como Castanheira, Livramento, Milhazes e Mauro Bastos. Para lhes fazer frente, o Tirsense de Luís Miguel e o Varzim de Dito parecem ser as equipas mais bem apetrechadas, sendo que a surpresa poderá vir de Vizela, onde a equipa treinada por Quim Berto deverá ser uma das mais excitantes de ver jogar, recheada que está de jovens craques da formação do Sporting de Braga.

Na Zona Centro, espera-se o remake do drama da temporada passada, com Boavista, Padroense e Tondela a reencontrarem-se nos desejos de subida. O Padroense não conseguiu o sucesso da Liguilha de Promoção e perdeu alguns dos seus principais jogadores, mas Augusto Mata coloca o objectivo na repetição, agora com sucesso, da época anterior. Bruninho, Sérgio Carvalho e Seidi serão, certamente, alguns dos artificies deste percurso. O Boavista parece querer regressar ao passado. Sob a batuta de Mário Silva, Fary, Renato Queiróz e Zamorano farão sonhar os adeptos boavisteiros. No Tondela, a opção foi por refazer a estrutura. Vítor Paneira é o novo timoneiro de uma equipa que junta jogadores experientes (Beré, Márcio Sousa, Mangualde) com jovens jogadores vindo de equipas primodivisionárias, como é o caso de Fábio Pacheco. Será difícil que alguma outra equipa consiga entrar nesta guerra, ainda que o Operário, de Francisco Agatão, seja normalmente uma equipa difícil de bater.

Já na Zona Sul, o Torreense parece ser o candidato que mais esforço fez para subir. Com António Pereira (ex-Atlético) como treinador, a equipa de Torres Vedras manteve Diego e contratou em quantidade, destacando-se dois craques desta divisão, Miguel Paixão e Hugo Pina. O despromovido Fátima tentará, com Ricardo Moura, regressar rapidamente às divisões profissionais. Ainda que o plantel tenha sido bastante transformado, jogadores com experiência como Kata, Marco Cadete e Jorge Neves poderão fazer a diferença. Outros candidatos serão ainda o Oriental do eterno Filipe Moreira (provavelmente o treinador com mais desaires na luta pela subida à 2ª Liga), o Mafra de José Bizarro (Veríssimo, Coça e Nuno Sousa poderão ser uma espinha-dorsal de sonho) ou o Tourizense.

Já na primeira jornada, o Fátima desloca-se até Torres Vedras. Qualquer ponto perdido ou ganho poderá fazer a diferença, num campeonato tão disputado como este.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Portugal no Eurobasket - perfil


Plantel:
Com um grupo composto, essencialmente, por jogadores acima dos 30 anos de idade, Portugal tem na maturidade a sua maior arma. O grupo de jogadores é pouco conhecido fora de portas, já que muitos deles tiveram passagens efémeras pelas ligas estrangeiras. No cinco inicial português, Filipe da Silva, que jogará no Paris Levallois, é o dono da bola, sendo o base mais utilizado. Carlos Andrade, João Santos e Miguel Miranda são as opções recorrentes para o tiro exterior, uma das armas a que Portugal recorre com maior frequência. Na área pintada, Élvis Évora assume o custo da guerra com as torres adversárias.
Do banco, saem com frequência Miguel Minhava e José Costa, na posição de bases, António Tavares, provavelmente o jogador mais criativo da equipa portuguesa, e Paulo Cunha, o lutador. Entre os mais jovens da equipa, estão Cláudio Fonseca, José Silva e Marco Gonçalves, que terão também alguns minutos, sobretudo os postes, dando descanso ao guerreiro Évora.
Com Betinho Gomes e Heshimu Evans lesionados, Portugal não contou com Nuno Cortez, melhor jogador português da LPB, na fase de qualificação, mas mantém ainda esperanças na sua recuperação. Cortez, se disponível, será uma excelente opção para aumentar a capacidade ressaltadora da equipa.

Estrela:
Mário Palma. Pegou numa equipa sem referências, sem esperanças, sem objectivos, e colocou esta geração no Eurobasket pela segunda vez. Um disciplinador nato, Palma transformou a maneira de pensar a participação portuguesa nas competições, exigindo aos seus jogadores uma dedicação defensiva pouco habitual. Isso faz de Portugal uma equipa que dificilmente facilita o acesso ao seu cesto. Numa competição cheia de equipas tecnicamente superiores, a vontade deste grupo de jogadores, bafejados pela magia de Mário Palma, será uma qualidade imprescíndivel.

Percurso até ao Eurobasket:
Depois de no passado, Portugal ter tido um record de 1-7 (só a Polónia perdeu, num grupo onde também estavam Bulgaria, Georgia e Bélgica), a mudança de treinador e o alargamento a 24 equipas trouxe uma oportunidade inesperada. Na fase de qualificação adicional, Portugal foi bastante superior à Hungria nas duas partidas efectuadas. Isso foi o bastante para garantir um lugar na maior competição europeia de selecções.

Previsão:
Independentemente do grupo onde Portugal jogar, cumprir o objectivo delineado por Palma (atingir a segunda fase), será tremendamente complicado. No entanto, esta equipa tem capacidade para surpreender adversários com menor concentração competitiva. Os primeiros jogos serão fundamentais para dar o tom ao percurso português. Resultados positivos, farão crer aos jogadores que o céu é o limite. Uma derrota pesada, tornará mais difícil motivar um grupo habituado a perder. Em resumo, tudo pode acontecer. 

sábado, 20 de agosto de 2011

O Patinho Feio do Eurobasket


Percebeu-se pelos comentários que correram durante os jogos da Fase Adicional de Qualificação: as duas últimas selecções a serem apuradas para o Eurobasket 2011 não vão ter a simpatia de ninguém.  Toda a gente olha a Finlândia e Portugal como dois parentes pobres do basquetebol europeu que se juntam à festa dos ricos sem terem sido convidados, e se a Finlândia ainda apresenta algumas caras conhecidas, Portugal e o seu conjunto de velhos lobos liderados pela raposa Mário Palma não farão nada para ganhar o prémio simpatia.

Mário Palma disse-o após o jogo onde o apuramento foi confirmado, na Hungria. “Somos uma das melhores selecções europeias a defender”. Talvez os jogos de Portugal não sejam bonitos de se ver. Filipe da Silva ou Miguel Minhava a marcar um ritmo de jogo necessariamente lento, Carlos Andrade, João Santos e Miguel Miranda a aproveitar todos os pequenos espaços para marcar de três, Élvis Évora a impor o seu peso dentro da área restritiva. Na defesa, todos eles fazem os possíveis e impossíveis para evitar a concretização adversária.

Para além disso, outros nomes terão peso nesta equipa. António Tavares, um base muito criativo e com excelente lançamento exterior, e Paulo Cunha, um extremo muito lutador, causarão problemas a qualquer adversário que não esteja 100% concentrado dentro do campo. Cláudio Fonseca parece ser a melhor alternativa para o lugar de poste, mas não se espantem de ver Portugal jogar sem qualquer referência interior, abrindo o jogo até ao limite, para conseguir encontrar opções exteriores.

Tudo isto não seria possível sem Mário Palma. O experientíssimo treinador recusa os louros e talvez seja o menos entusiasmado do grupo com esta presença no Europeu, preferindo focalizar-se, desde já, no que será necessário ser feito para que Portugal tenha hipóteses de chegar à segunda fase. Não será um objectivo acessível, mas os adversários que se cuidem. Portugal vai querer ser o osso mais duro de roer na grande mesa lituana. 

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Cidades de futebol abandonadas


Que fique, desde já, registado o facto de Antonino Cardinale ter corrido atrás de bola de trapo pelas ruas de Agrigento, durante anos e anos da sua vida, tendo vestido a camisola do Akragas Calcio, equipa local, quando no ano de 1951 esta fez o seu primeiro jogo. Jogou durante os últimos três minutos dessa partida contra os rivais de Caltanissetta, acontecimento que foi aplaudido pelas centenas de pessoas que se juntaram em volta do rectângulo definido para o jogo. No entanto, Tonino nunca foi conhecido como jogador de futebol.
Tonino é uma daquelas figuras que podemos encontrar, sob diferentes moldes, em todas as cidades do mundo. É o homem que toda a gente conhece, que pouco demora a ser encontrado, que tem fortes opiniões sobre todas as coisas da cidade, que ama a cidade com uma entrega e inocência que mais nenhum pode oferecer. Tonino nasceu e viveu, sempre, em Agrigento. Provavelmente, nunca terá saído sequer dos limites da cidade em ocasião que não fosse a de acompanhar a equipa local a terra vizinha onde disputasse um jogo de futebol. Mas, jogador de futebol, Tonino nunca foi.
O Akragas Calcio foi o seu clube de sempre. Tinha ainda na memória o A.S.Agrigento, que durante a sua meninice chegou a andar pela primeira divisão italiana, mesmo em tempo de guerra. Mas dados os costumeiros problemas de pouca liquidez, o futebol cresceu em Agrigento com o nome de Akragas, clube do coração de Tonino, que o fez ser também parte da imagem do clube, convidando-o para envergar a sua camisola em dia de estreia. Isto foi tanto mais marcante que permitiu, nesse jogo, a imposição de uma substituição, quando ainda nem sequer existia essa possibilidade nos livros de regras.
Tonino sofreu imenso junto das quatro linhas em todos os jogos do Akragas. Para mais, a história do seu clube do coração fez-se de constantes altos e baixos, sempre nas mais secundárias divisões do futebol italiano. As camisolas azuis e brancas povoavam os sonhos de Tonino, desejoso de voltar a ter, em Agrigento, uma equipa que pudesse ombrear com as maiores de Itália. Mas a glória da sua cidade tinha ficado na história como cidade grega, sendo que nada indicava que a glória futebolística pudesse, alguma vez,  dar-lhe um pouco da sua atenção.
Pelas fileiras do Akragas passaram nomes famosos do futebol italiano, apesar de, tal como no caso de Tonino, nenhum deles por ser grande futebolista. Tonino viu o famoso futuro dirigente da Juventus, Lucciano Moggi, vestir a camisola azul e branca. Também viu o futuro grande treinador Gigi Maifredi fazer o mesmo. Mas, perante sucessivos falhanços nas contratações chegadas do continente, o Akragas passou a utilizar apenas homens da casa, sicilianos que garantiam uma dedicação e uma lealdade que nenhum rapaz chegado do continente poderia assegurar.
Conta-se que, por isso mesmo, foram recusados, quando ainda eram jovens acabados de sair das escolas de formação, Roberto Baggio e Nicola Berti, para além de Vicenzo Scifo, o belga que, a todo o custo, o pai queria tornar italiano. A história foi madrasta para o Akragas Calcio, tal como para Tonino. Tanta falta de sorte objectiva ia-lhes marcando os dias e as épocas, com resultados cada vez menos lisonjeiros, com o crescimento de outros clubes da ilha a ocuparem, agora, a fome de futebol de primeira às gentes de Agrigento, que se dispunham a ir até Palermo ou Catania para ver os seus heróis.
Tonino é que não deixou, nunca, de ser o mais fiel fã do Akranas Calcio. Fosse na Série C, na Série D ou nos campeonatos regionais, Tonino lá estava, junto às linhas, o décimo segundo jogador desta equipa esquecida por todas as histórias do futebol. Mesmo quando o clube mudou de nome, ficando conhecido por Agrigento/Favara ou Agrigento Hinterland, Tonino lá continuava, como se nada tivesse mudado, gritando pelo Akranas. Mesmo quando, dados os problemas financeiros do costume, a equipa ficou sem competir algumas épocas, Tonino nunca deixou de, mesmo que apenas na sua cabeça, apoiar o seu clube de sempre.
Dedicação como esta, acredito eu, pode bem ser encontrada em todas as cidades do mundo, em todos os clubes, existentes e inexistentes do mundo. Tonino foi talvez o jogador mais importante do Akranas Calcio, porque foi ele a única pessoa que sempre viveu o clube como se vivesse a sua própria vida. Mesmo que nunca tenha marcado um golo, feito uma finta, liderado, sequer, a organização de uma barreira perante um livre directo adversários. Mesmo que tenha apenas jogado por três minutos com a camisola azul e branca, mesmo que apenas num jogo não oficial. Tonino nunca foi jogador de futebol. Mas que interessa isso, perante o que Tonino ainda continua a ser?

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Concentração, precisa-se

A selecção nacional perdeu hoje na Finlândia (68-56) ainda que, em termos globais, a equipa adversária não tivesse demonstrado  ser tão superior como os números parecem indicar.

O grande ausente na equipa portuguesa foi a capacidade de manter a concentração durante os quarenta minutos da partida. No primeiro período, Portugal escolheu bem o momento de lançar, obtendo 3 em 4 triplos tentados, e deu pouco espaço de manobra para uns finlandeses altos mas pouco criativos – fechar os espaços e ser agressivo sobre o jogador com bola parecia resultar a favor da equipa lusitana. O jogo terminava empatado nos primeiros dez minutos, mas com Portugal a mostrar confiança para conseguir surpreender em Helsínquia.

No segundo período, começaram os problemas. Com uma rotação de equipa que foi bem sucedida no final do primeiro período, a entrada em campo dos titulares finlandeses mexeu com o equilíbrio do jogo e a equipa portuguesa começou a perder terreno. Com apenas dois pontos nos primeiros cinco minutos, a Finlândia ganhava um ascendente que não mais perderia durante todo o jogo, com os Portugueses a tentarem, cada vez mais, optar por inconsequentes acções rápidas. Ao chegar ao intervalo, o 31-22 no marcador mostrava a tendência do jogo.

A segunda parte não trouxe melhores notícias para os portugueses. Perante o desnível do marcador, Mário Palma tentava convocar a experiência de alguns dos seus jogadores, mas a falta de concentração e a qualidade competitiva dos finlandeses não permitiam que Portugal voltasse ao jogo. A equipa da casa mostrou sempre muita maturidade em todos os momentos do jogo, sendo que depois do equilíbrio do primeiro quarto, não mais denotou falhas em termos defensivos. O ataque português pareceu sempre muito lento e em pânico. Com constantes paragens de drible, os jogadores portugueses viam-se rodeados de finlandeses que não baixavam os braços nas ajudas.

Em resumo, parece-me que Portugal tem condições para jogar olhos nos olhos com a Finlândia. No entanto, os nossos jogadores não estão habituados a enfrentar adversários com tanta maturidade competitiva, nem o nível do nosso campeonato permite a aquisição de um à-vontade como o que foi demonstrado pelo nosso adversário. Ainda assim, a qualidade técnica está lá, sendo que pela forma como os finlandeses anularam o Élvis Évora e perante a má entrada do Marco Gonçalves, fica a dúvida sobre a não utilização do Cláudio Fonseca. É óbvio que a altura dos finlandeses não é uma vantagem a que eles tenham recorrido – preferem um jogo de movimentações rápidas com os postes a subirem até à linha de lance livre -, mas faltou a Portugal conseguir desgastar mais o seu adversário.

António Tavares e Carlos Andrade, com 11 pontos cada, foram os melhores marcadores da equipa portuguesa, onde se deve destacar o papel de Paulo Cunha (6 pontos, 10 ressaltos), pela forma como se sacrifica em prol da equipa. Entre os finlandeses, Shawn Huff (16 pontos,  9 ressaltos) e Tuuka Koti (16 pontos, 7 ressaltos) fizeram a diferença.


Portugal volta a entrar em campo na próxima quinta-feira na Hungria. Uma vitória portuguesa colocará a equipa nacional à beira do apuramento. A derrota fará com que todas as decisões se tomem na última jornada. Uma coisa parece certa. A Finlândia poderá enfrentar os dois jogos que faltam com as certezas de quem está a fazer um trabalho bem feito. Caberá a portugueses e húngaros lutar pela vaga restante no Eurobasket. 

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Uma nova filosofia - Entrevista a Élvis Évora

Durante o estágio na Suiça, o Planeta Basket chegou à fala com Élvis Évora, o poste da nossa selecção.

Sobre os seus ombros recai a responsabilidade de dominar o jogo interior português nos combates frente a húngaros e finlandeses. Élvis antecipa esses encontros com a concentração que um grande jogador sabe essencial.

O jogador do Benfica aproveitou ainda para analisar o passado e a actualidade da selecção, bem como desvendar o que espera da nova época, onde trabalhará sob as ordens de Carlos Lisboa.

Élvis, este ano tiveste uma época muito difícil, com participação na Eurochallenge e o título a fugir-te das mãos no jogo decisivo, faz-nos um balanço desta época no teu clube.
No meu ponto de vista não faço um balanço negativo da época, mas tenho de reconhecer que ficou um pouco a quem das expectativas.
O campeonato fugiu nos no último jogo das finais dos playoffs e conseguimos ganhar duas taças. Na Eurochallenge, posso dizer que tivemos uma participação positiva, que valeu muito pela experiência internacional a nível de clubes, de que já tinha saudades, mas ficou um sabor amargo, porque tínhamos claras possibilidades de passar à terceira fase e ficar a um passo da final four.

Há dez anos que és uma figura central na equipa nacional, o que significa para ti representar a selecção?
Para mim é uma grande honra representar a selecção nacional, embora tenha de reconhecer que muitas vezes representou um grande sacrifício por várias razões, entre os quais posso destacar o nosso calendário da época desportiva que não se concilia bem com o nosso descanso e os trabalhos da selecção. E outras vezes, a dificuldade advém das lesões que tive que me impediram de dar o melhor contributo. Mas acima de tudo tenho de reconhecer que é com grande orgulho representação nacional.

Fizeste parte do grupo que participou no Eurobasket 2007. Quais foram as sensações que mais te marcaram nessa competição?
Em primeiro lugar, a qualificação em si foi um momento único, fizemos uma campanha excepcional, em que não éramos nem de perto nem de longe os favoritos. O que mais me marcou foi o espírito de grupo e a combatividade que conseguimos impor com atletas vindos de diferentes clubes.
Em segundo lugar, o campeonato de Europa foi simplesmente fantástico,  estar naquele meio e jogar contra as grandes estrelas da Europa e do mundo foi um momento que irei guardar na memória para sempre, mas tenho a ambição de o conseguir repetir de novo este verão.

Agora, tens a oportunidade de trabalhar com o Mário Palma. O que mudou com a chegada dele à selecção?
Ele trouxe à selecção uma nova filosofia e nova forma de estar no basket, talvez bastante diferente daquele que a maior parte dos jogadores estão habituados. Como é óbvio, não vou nem me compete avaliar ou comparar aos anteriores, mas posso dizer que a exigência aumentou especialmente no campo das regras disciplinares dentro e fora das quatro linhas e na concentração e atenção exigida em cada treino.

Fala-nos um pouco acerca do grupo de trabalho e do ambiente no seio da equipa.
Penso que temos um bom grupo, que acima de tudo tem sabido contornar as dificuldades gerada por lesões que tem afectado a selecção. O grupo tem mostrado uma grande entrega e disponibilidade para a assimilar a nova filosofia do novo treinador. O ambiente de trabalho também tem sido de grande cumplicidade entre as diversas partes: técnicos, dirigentes, colaboradores, fisioterapeutas e atletas.  O que mostra uma grande vontade e a ambição da equipa em qualificar para o Europeu da Lituânia.

O que nos podes dizer dos postes da Finlândia e da Hungria? Já os conheces? Quais são os pontos fortes e os fracos que eles têm?
Sim, penso que já os conheço e já joguei no passado contra a maior parte deles. Na equipa da Finlândia tem-se destacado Gerald Lee, que tem feito grandes jogos de preparação, com destaque para a Taça Nórdica, é um jogador forte no ressalto e com uma boa eficácia nos lançamentos de dois pontos. A par dele, os outros postes, como Kotti e Nikkila são muito móveis e combativos, daí ser preciso uma especial atenção no capítulo dos ressaltos. Na equipa da Hungria, o destaque vai para Bader que é o único jogador que conheço que tem os olhos mais fechados que os meus (risos). Já jogou em muitas grandes equipas, esteve ausente durante algum tempo e decidiu voltar agora, o que mostra que eles acreditam que têm uma grande possibilidade de ir ao Europeu. Também destaque para Peter Llorant, que joga em Espanha e fez uma grande época este ano. Por ultimo, Keler, um poste mais jovem muito atlético e explosivo que corre muito bem o campo.

Até agora, as participações das equipas nacionais de formação nas competições europeias tem tido bastante sucesso. Isso é inspirador para a equipa sénior?
Sem dúvida que é com enorme agrado que observamos as boas prestações das selecções mais jovens, tanto a nível feminino como masculino. Aproveito para dar os parabéns a todos, em especial para equipa de sub-20 feminino que teve uma prestação brilhante, com a consequente merecida promoção à divisão A. Obviamente que nos motiva a trabalhar mais para sermos bons exemplos aos futuros séniores.

Para terminar, na próxima temporada vais ter como treinador outra figura mítica do basquetebol nacional, Carlos Lisboa. Quais são as tuas expectativas?
As expectativas são as melhores. Espero que ele consiga transmitir-nos a sua experiência acumulada ao longo dos vários anos como atleta e a sua veia vencedora que marcou a sua carreira desportiva. Bem, não gosto de  falar muito dos treinadores para não parecer que estou a dar graxa para conseguir minutos de jogo(risos).

Um grande Abraço a todos os colaboradores do melhor site de basket português

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Como uma melancia


Toda a gente o apelidava de Sandía, melancia, pois era isso que faziam lembrar as suas atitudes. Era enganador, como a melancia que se promete verde ao nascer da terra e logo a descobrimos vermelha fogo por dentro, como se fosse sangue. No entanto, desse sangue nasce um frescor de água que se derrete mal toca a nossa língua. A ele, chamavam-no Sandía por ser assim, enganador. Adrián Cruz não era homem em que se pudesse confiar. O seu ar um tanto angelical escondia um carácter extraviado, capaz das piores coisas para que se saísse bem numa vida que pouco lhe prometia. Era por isso que lhe chamavam Sandía. Por isso, ou por ser originário de Concepción, uma das zonas de maior produção de melancia do Paraguai.

Adrián Cruz começou a jogar futebol no Deportes Concepción, uma equipa à sua imagem (ou será que foi ele que cresceu à imagem da equipa?), com um grande historial de problemas de violência e de desacatos dentro e fora do campo. Adrián tornou-se profissional de futebol por um daqueles acasos do destino. Desde jovem que fazia parte da equipa do Deportes e tinha dezoito anos quando o extremo-esquerdo titular se lesionou. Como o outro jogador que fazia essa mesma posição na equipa sénior estava castigado, ao treinador não restou outra opção que a de chamar Sandía para um jogo contra a equipa do Antofagasta. Tão bem se saíu Sandía que não mais largou a titularidade, pelo menos naquela época.

Era um jogador impossível de defender. A sua forma de jogar confundia todos, adversários e colegas de equipa. Tremendamente indisciplinado na táctica, Adrián cruzava o campo da direita para a esquerda sempre à procura de fugir aos seus adversários como quem foge da polícia (outra das coisas em que Adrián apostava o seu sucesso), elaborava fintas nunca antes vistas pelas terras onde jogava, rematava dos ângulos mais difíceis de forma a surpreender os guarda-redes. A isso juntava também um inconfudível mau humor e uma enorme garra em vencer, sendo que para tal não hesitava em entrar com os dois pés nas canelas de todo e qualquer adversário que tentasse fugir dele.

No início dos anos oitenta, o Deportes Concepción desceu à segunda divisão, no que seria o início de uma época conturbada para o clube, entre insucessos desportivos e problemas monetários. Adrián Cruz, grande jogador, tinha contra si a lastimosa fama de jogador incontrolável. E assim, não recebendo o seu salário no Deportes e sem encontrar quem pagasse a sua transferência, acabou por ir para o Brasil, para Goiás, onde trabalhava em plantações de melancia brasileira. Era uma função que conhecia dos seus tempos anteriores ao futebol, quando a bola não lhe permitia levar algum dinheiro para ajudar em casa. E como Adrián não tinha mesmo qualquer vergonha na cara, ser jogador de futebol ou colher melancias tanto lhe dava, desde que pudesse ganhar o que comer.

Ainda assim, todos sabemos que nunca um bom jogador de futebol passa incógnito, esteja em que lugar do mundo estiver. A Adrián Cruz aconteceu exactamente o que era esperado: foi descoberto. Num fim-de-semana em que saiu para beber umas cervejas com amigos, acabou a brincar com uma bola, deixando toda a gente espantada com as capacidades do seu pé esquerdo. Logo foi convidado para vestir a camisa do Santa Helena Esporte Clube, equipa goiana que disputava a segunda divisão do estado e nunca havia ganho título algum. Sandía tudo mudou. De repente, a equipa conhecida como “Fantasma do Interior” aterrorizava todos os adversários. Sandía pegava na bola e lançava a confusão à volta da área adversária, marcando e dando a marcar infinitos golos.

O grande jogo dessa 2ª divisão Goiana, em 1986, foi disputado entre o Rioverdense e o Santa Helena, infatigáveis rivais. Vencendo, o Santa Helena ganharia o seu primeiro título, acontecimento que os de Rio Verde tudo fariam para evitar. Talvez não se tenha jogado futebol no Estádio Pedro Romualdo Cabral. Talvez não fosse da bola que os jogadores corriam atrás, mas uns dos outros. Havia pé no pau, pau na cabeça, pedrada para todo o lado, não só no relvado como nas bancadas. Até que ao minuto oitenta, a bola chegou aos pés de Adrián Sandía Cruz, o melancia paraguaia, que, verde e enorme rebolou por entre defesas com punhos e antebraços abrindo o caminho, fez desaparecer a bola entre a promessa de sangue e, num remate poderoso, rasgou as redes do Rioverdense. O Santa Helena foi campeão.

Adrián tornou-se uma lenda em Goiás, como já era no Paraguai, embora não pelas mesmas razões nem com os mesmos efeitos. O futebol não crescia para o profissionalismo no Santa Helena, mas ser o craque da equipa valeu-lhe muitos e bons anos a trabalhar com os maiores produtores de melancia da região. Quando decidiu deixar o futebol, o seu mau feitio era já ignorado, aceite, como uma valência comum aos grandes artistas que povoam as quatro linhas em todas as partes do mundo. Também agora a sua aparência de durão era enganadora. Foi por isso que Sandía entrou na galeria dos mais respeitados jogadores de Goiás. Por fazer aquilo que a maioria nem em sonhos consegue imaginar que é possível: resolver campeonatos.