terça-feira, 21 de outubro de 2014

PepsiDeild - De brincalhões a campeões na Terra do Fogo e Gelo

| António Valente Cardoso



Não, não se trata de falar de George RR Martin e da sua épica senda literária que tanto sucesso televisivo tem tido, fala-se de futebol, de um arquipélago árctico que contradiz tantas estatísticas e lugares comuns da sociedade ocidental, de uma equipa que ninguém conhecia e se fez campeã.
Começando pelo fim. O Stjarnan sagrou-se campeão islandês em 2014, primeiro título masculino, seguindo o que as meninas do clube já haviam conseguido antes e mantiveram neste ano. O título não podia ter sido mais dramático, última jornada, dois pontos atrás do líder, que visitava, primeira vantagem, empate e o golo vencedor já perto do final da partida, para celebrações… por todo o mundo.

Choveram parabéns ao clube da Holanda, da Polónia, da Roménia, de Portugal, da República Checa, da Costa Rica, do Brasil, da Argentina, de Itália, da Turquia, da Alemanha, da Noruega, do Vietname, da Escócia, de El Salvador, de Inglaterra, das Filipinas, da Eslováquia, da Hungria.
O que faz do Stjarnan algo tão especial? Pois claro, os únicos, incomparáveis e globalmente famosos festejos da equipa em 2010, uma situação que na altura foi criticada pelos dirigentes locais, levando mesmo a jogos à porta fechada para o clube, pelo medo do ridículo. A verdade é que não apenas se catapultaram jogadores, que tinham qualidade, se divertiam e se mostraram ao mundo, que não ficou indiferente. Afinal, era – como é – uma equipa divertida!

Depois da globalização do pequeno clube dos arredores de Reykjavik, de Gardabaer, com cerca de 13 mil habitantes e conhecida por deter a única Ikea do arquipélago, um dos melhores estúdios de televisão e, agora, os campeões e campeãs de futebol na Islândia. O Stjarnan também se revela pelo bonito futebol praticado, ganhando fãs em Motherwell, em Poznan, em Milão, após os desempenhos europeus frente a adversários daí.

Quando um arquipélago de pouco mais de 300 mil habitantes se consegue afirmar no contexto futebolístico, depois de já o ter feito no panorama andebolístico, tal relativiza toda a autocomiseração portuguesa, não? Situação que se estende igualmente à forma como declararam falência, julgaram e prenderam políticos e banqueiros e logo se reergueram, fazendo frente ao todo poderoso FMI, não parecendo tão difícil quanto se apregoa noutras paragens. Talvez não tenham, naturalmente, tantos ‘Velhos do Restelo’…




Retomando o título do Stjarnan, foi uma campanha quase limpa, a par do FH Hafnarfjordur, chegando ambos à última ronda sem derrotas, diferenciados por um empate, seis para o FH, sete para o Stjarnan, numa liga frutuosa em golos (3,33 golos por jogo em 2010, 3,04 em 2011, 3,22 em 2012, 3,12 em 2013, 3,02 em 2014), ainda que limitada a 22 jornadas, a mais curta de toda a Europa até à aceitação de Gibraltar no seio da UEFA, face aos condicionalismos climáticos.

A liga islandesa não é de topo, não acompanhando a evolução da selecção árctica. Saliente-se isto para evitar erros tão comuns quanto comparar directamente e de forma simplista insucessos de selecções neste mundo globalizado e com uma maioria de futebolistas fora do país com a qualidade ou não das ligas.

Foi o 11.º vencedor distinto da liga islandesa, uma competição com mais de 100 anos, que teve o seu arranque em 1912. Depois de KR Reykjavik (26), Valur Reykjavik (20), IA Akranes (18), Fram Reykjavik (18), FH Hafnarfjordur (6), Vikingur Reykjavik (5), Keflavik (4), IBV (3), KA Akureyri (1), UBK Breidablik (1), o Stjarnan. Não foi a melhor defesa ou o melhor ataque, ambos pertença do FH, acabando por manter a pressão e decidir no tal último desafio, ao melhor estilo de uma finalíssima de play-off!

23 futebolistas festejaram este inédito título, numa formação jovem onde alguns aspirarão claramente a outros voos, particularmente agora que as selecções islandesas têm-se mostrado mais e deixaram de ser apenas dois ou três aspirantes à Premier League ‘inglesa’, espalhando-se agora pelas ligas nórdicas na Dinamarca, Suécia e Noruega, pelas britânicas, inglesa e escocesa, pelos Países Baixos, Holanda e Bélgica, pela Alemanha, por Itália, captando finalmente as lupas dos olheiros, também pela criação de condições bastante favoráveis, nomeadamente aproveitando o surgimento – como o grosso dos países ‘invernais’ – dos hangares sintéticos, estruturas que passaram a permitir a prática do futebol no ano inteiro, independentemente da temperatura negativa e da quantidade de neve.

Ingvar Jonsson, guarda-redes, 25 anos; Niclas Vemmelund, dinamarquês, defesa direito de 22 anos, Daniel Laxdal, central de 28 anos, Martin Rauschenberg, central dinamarquês de 22 anos, Hordur Arnason, defesa esquerdo de 25 anos, Atli Johannsson, médio de 32 anos, Thorri Geir Runarsson, jovem médio centro de 19 anos, Pablo Punyed, médio ofensivo hispano-salvadorenho nascido na Flórida de 24 anos, Arnar Mar Bjorgvinsson, extremo de 24 anos, Olafur Karl Finsen, extremo polivalente de 22 anos, melhor marcador da equipa com 11 tentos, Veigar Pall Gunnarsson, avançado internacional de 34 anos, regressado ao clube onde se iniciou depois de praticamente uma década na Noruega, com um ano em França de permeio, foram os mais utilizados. Os dinamarqueses Michael Praest, Rolf Toft e Jeppe Hansen, os defesas Heidar Aegisson (19), Atli Freyr Palsson (19), Johann Laxdal (24), Sturluson (25), o guardião Johannesson (19), os médios Knutsson (19), Blondal (20), Barddal (19) e o avançado Johannsson (34) foram os restantes campeões.

O clube é muito mais do que uma equipa de futebol, além das vertentes masculina e feminina no relvado, possui basquetebol, voleibol, andebol, ginástica, natação, halterofilismo ou atletismo.
Campeão em 18 ocasiões, o Fram viu-se relegado da primeira liga islandesa em 2014, sequenciando um momento menos bom da equipa de futebol, apesar de estar em bom plano no andebol, por exemplo. O 11.º lugar é a pior posição de sempre do clube na Ursvaldeild.

Para o Thor Akureyri, também despromovido, é o habitual sobe-e-desce naquela que foi a 17.ª temporada do clube no máximo escalão.

Promovidos foram o Leiknir, estreante absoluto, 29.ª equipa a participar no primeiro escalão, e IA Akranes, 18 vezes campeão e despromovido em 2013.

O melhor marcador foi o inglês Gary Martin, avançado de 24 anos que se encontra na Islândia desde 2010, com um empréstimo na Dinamarca pelo meio, autor de 13 golos na liga 2014, um mais do que o toboguenho Jonathan Ricardo Glenn, estreante na liga em 2014 depois de aprovação num período experimental no IBV, oriundo do sistema futebolístico norte-americano.

Do vice-campeão, o central Vidarsson, o médio ofensivo Palsson, de 21 anos e o jovem defesa Bodvarsson, especialmente os dois últimos poderão rumar a outras paragens brevemente. Josepsson, Haukur Hauksson, Gudmundur Gunnarsson, do KR, o lateral esquerdo Ivar Jonsson, Thrandarson, Baldursson, da surpresa da época, o Vikingur, Sigurdur Larusson, Kristinn Sigurdsson, Asgeir Eythorsson, Hoskundur Gunnlaugsson, Finnur Margeirsson, Andri Yeoman, Arni Vilhjalmsson (10 golos pelo Breidablik para este avançado de 20 anos), Sindri Snaer Magnusson, Matthiasson, Elias Omarsson, Bergsveinn Olafsson, Aron Sigurdarson, Jon Ingason, Gunnar Thorsteinsson, Arnar Bergsson, Vidur Thorvardarson são alguns dos jovens que mais se revelaram em 2014 e poderão ter experiências mais competitivas a breve trecho.

Para a ‘Estrela’, 2015 trará a estreia na Liga dos Campeões, onde tentarão passar as preliminares suficientes para aspirarem à fase de grupos da Liga Europa, ainda que tal seja uma empreitada difícil para qualquer formação islandesa, apesar do sucesso corrente da principal selecção.
Durante um par de anos, Jordão Diogo foi o português presente na Islândia, dividindo-se entre o arquipélago árctico e o calmo mediterrâneo interior na Grécia, numa liga que conta com diversos desconhecidos britânicos, como o menos mediático dos Ameobi, Tomi, alguns balcânicos e nórdicos, ainda que não muito ‘infestada’ de estrangeiros. É uma liga interessante para meia temporada e experimentação diferente, jogando-se de Maio a Setembro permite toda a temporada entre anual da maioria das ligas e uma ‘perninha’ em pausa, faltando essa presença de estrangeiros mais ‘conceituados’ e também técnicos de outras escolas para que se aproxime dos patamares que se observam noutros campeonatos.

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