Sempre junto dos seus pais que
passavam boa parte do dia num pequeno restaurante que exploravam num barco pelos
canais da cidade, Gerald era um rapaz irrequieto. Gerald não parava quieto a
correr pelas ruas de Amesterdão com os seus pequenos amigos, a inventar
aventuras, perseguições, corridas e jogos. Era o típico puto traquinas, que
toda a gente conhecia, por inícios dos anos setenta, nas ruas que eram
atravessadas pelos canais.
Gerald era também um dos miúdos
da escolas do Ajax. Muito cedo começou a jogar futebol e dava-lhe o jeito para
ser uma das pequenas estrelas. Fez toda a sua escola na equipa do Ajax e era
com orgulho que vestia a camisola branca atravessada pela faixa vermelha, uma
camisola com grande significado para a sua família porque já o seu tio, Dirk
Schoenaker, fizera esse percurso até à equipa principal. No entanto, as
parecenças não iam além do nome e do agregado familiar. O seu tio Dirk era
médio e Gerald um raçudo defesa-direito.
Uma coisa que Gerald nunca pôde
fazer foi ajudar os seus pais no barco-restaurante. Desde muito pequeno que os
pais o tinham habituado a adormecer no barco, enquanto eles arrumavam e
preparavam o restaurante para o dia seguinte. Um rapaz muito irrequieto em
terra, Gerald acostumara-se àquele balanço para adormecer. O problema é que
crescendo, bastava-lhe pôr o pé em cima do barco para ser levado pelo balanço
das águas a um sono profundo e retemperador. Isso não viria a ser problema
porque, no dia em que completou dezoito anos, Gerald foi convidado a assinar um
contrato de profissional com o Ajax.
Nos primeiros anos de
profissional, Gerald era presença assídua na equipa secundária do Ajax, mas era
claro para todos os observadores que ele iria chegar à equipa principal. E
assim aconteceu, aos vinte e um anos estreou-se pelo Ajax, numa época de glória
para o futebol holandês que recuperava o título de Laranja Mecânica e ganhava o
Europeu de futebol. Para Gerald, esse facto animava-o ainda mais a lutar pela
titularidade no seu clube, na esperança de um dia poder chegar à selecção
holandesa. Gerald Schoenaker ganhara algum protagonismo com a saída de Sonny Silooy
para o Racing Paris, mas essa aventura só durou um ano meio, ao fim do qual
Gerald voltou a ser um defesa na reserva.
Apesar de ser um dos favoritos do
seu treinador, Louis Van Gaal, Gerald preferiu sair para jogar mais. E pode
dizer-se que não poderia ter escolhido melhor. Ao assinar pelo Feyenoord de
Roterdão, Gerald Schoenaker foi duas vezes Campeão Nacional, ganhou uma Taça
Uefa, três Taças da Holanda e uma Supertaça. Foram dez anos de sucesso, quase
sempre jogando como titular da equipa, fosse como defesa direito, fosse como libero,
uma posição onde, com a idade, aprendeu a jogar, valendo-se da sua experiência
e influência sobre os companheiros de equipa. Um lugar na selecção é que nunca
conseguiu, primeiro tapado por uma geração mais velha que ganhara títulos,
depois tapado por uma geração mais jovem que cedo começou a dar cartas.
Ainda assim, com a nomeação de
Louis Van Gaal para seleccionador, Gerald Schoenaker viria a ter a sua
oportunidade. Sempre como libero, primeiro em alguns jogos de preparação e
depois nas qualificações para o Mundial de 2002, Gerald era um defesa experiente
e tinha, por isso, o favor de Van Gaal. A qualificação não estava fácil, a
Holanda perdera já pontos em casa com os principais adversários e toda a
experiência era pouca para os jogos finais da qualificação. O mais importante
de todos eles disputou-se no Estádio das Antas, na cidade do Porto, no dia 28
de Março de 2001.
A Holanda não podia ter entrado
melhor no jogo, com um penalty conquistado por Jimmy a ser transformado em golo
aos dezoito minutos e com Patrick Kluivert a aumentar a vantagem aos quarenta e
oito. Aos oitenta minutos, Gerald Schoenaker entrou, para defender o resultado.
Toda a gente confiava na sua experiência, mas poucos esperavam o que lhe
aconteceu a seguir. Aos oitenta e quatro minutos, perante o forte balanço do
jogo português, Gerald sentiu uma leve tontura, como se adormecesse, e Pauleta
apareceu sozinho em frente ao guarda-redes para marcar o 1-2. Ninguém queria
acreditar. Portugal continuou a utilizar o seu jogo típico, fazendo a bola
passear de um lado para o outro, como se fosse um barco que se aproxima, lento,
da baliza holandesa. Aos noventa e um minutos, bola na área e Gerald, mais uma
vez, cai adormecido sobre Pauleta e é marcado penalty contra a Holanda.
O jogo terminou empatado. Gerald
não voltou a ser chamado à selecção, que acabou por ficar de fora do Mundial.
Toda a sua raça e experiência ficaram manchadas por aqueles estranho
adormecimento. A maior parte dos adeptos culpou a sua idade, o facto de ser já
um veterano, de lhe faltar pernas para acompanhar o ritmo de jogo. A verdade é
que poucos meses depois, Gerald Schoenaker abandonou o futebol e os seus pais
se reformaram da sua actividade, vendendo o barco. Uma coisa, na sua família,
não voltou a ser feita. Habituar as crianças a adormecer com o balanço de um barco.
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