segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O amor passa rasteiras


Quantas vezes o amor não ronda os relvados e as bancadas dos campos de futebol pelo mundo inteiro? Muitas, não tenho dúvidas. Amor e paixão são partes integrantes desse grande espectáculo de multidões (grandes e pequenas, porque também se fazem jogos com bancadas vazias, onde a emoção rasga mais corações do que certos estádios bem compostos). No entanto, alguns amores parecem mais aceitáveis do que outros. E perante isso tem o mundo que arranjar-se, de maneira a que acerte a sua existência com os acontecimentos que os homens vão trazendo à sua beira.
Michael Riemer sempre jogou no Preussen Munster, uma equipa dos campeonatos regionais da Alemanha. Sempre jogou ali desde muito pequeno. Fez todos os escalões da formação no clube, sempre com relativo apagamento, jogando como trinco. Michael tinha uma boa compleição física, entregava-se a todas as disputas de bola como se fossem a última, e a influência que tinha sobre os seus colegas levaram-no, também desde cedo, a ser escolhido para capitão de equipa. Era um poder silencioso, aquele que ele exercia sobre os seus colegas, facto que agradava aos responsáveis da equipa.
Essas mesmas qualidades eram apreciadas ao seu pai, Wolfgang Riemer. Mas o seu pai não era jogador de futebol, era guardião da torre. Para muitos surpreendente, Munster mantém ainda nos seus quadros de pessoal camarário um guardião da torre, função desempenhada desde a Idade Média na salvaguarda da cidade, alertando para aproximações de inimigos ou para a ocorrência de incêndios. Uma profissão totalmente desfasada da realidade actual, mas mantida pelo município, para gáudio dos mais velhos e orgulho da família Riemer. Têm na família uma tradição de pessoas que se dedicaram a esta cidade. Michael, como capitão de equipa, era o mais recente.
Michael Riemer acabava por se destacar pela sua seriedade e pacatez. Ele era o guardião das suas equipas. Nunca se lhe apontou qualquer deslize em toda a sua carreira desportiva ou escolar. Ele estava sempre presente a dar a cara pelos colegas nas reivindicações ou a apoiar algum que passasse por problemas. Era o jogador exemplar. E essa era uma forte razão para que Michael ficasse sempre como titular em todos os escalões e que, no final da sua formação, fosse um dos escolhidos para integrar o plantel sénior do Preussen Munster. Michael assumia o seu papel de líder apagado, e logo no segundo ano de sénior, mesmo jogando muito pouco, foi integrado no grupo dos capitães.
Parceiro de Michael neste percurso desportivo, foi Andy Hesl, que jogou sempre como médio de características ofensivas da equipa, capaz de resolver jogos atrás de jogos, embora um pouco problemático dada a sua personalidade rebelde. Michael Riemer foi um dos seus grandes defensores, até que na época passada, Andy exagerou nos seus actos, faltando a uma convocatória e acabou dispensado pelo treinador da equipa. Para Michael, foi como se um mundo se desmoronasse. Desde sempre que se habituara a partilhar tudo com Andy Hesl e agora, pela primeira vez, iam jogar em lados diferentes da barricada.
Os piores receios de Michael acabaram por se confirmar quando Andy assinou contrato com o SC Verl, equipa do mesmo campeonato, com encontro marcado para a quinta jornada, no Preussenstadion. O SC Verl de camisolas e calções brancos, o Preussen Munster de camisolas riscadas de verde e preto e calções pretos. Michael foi titular, tal como Andy. Durante todo o jogo só tiveram olhos um para o outro. O ataque do SC Verl não foi municiado por nenhum passe saído dos pés de Andy Hesl. Michael Rimmer não fez nenhum roubo de bola, tornando o meio-campo do Preussen algo muito próximo de um passador. Para a grande maioria dos presentes no estádio, foi apenas um dos piores dias daqueles dois jogadores. Para outros, mais próximos, foi a confirmação daquilo que há muito desconfiavam.
O amor e a paixão rondam, mesmo muitas vezes, os relvados e as bancadas de campos de futebol pelo mundo inteiro. Mas enquanto alguns apaixonados entoam esse amor a altas vozes, de coração aberto, outros acabam por esconder os seus sentimentos numa dedicação extrema à sua função ou, por outro lado, numa rebeldia aceitável apenas num génio. Quer uma quer outra opção dão, no final, mau resultado. Porque mais importante que o jogo, é, sem dúvida, a vida. E se a vida não permite que o amor flua como deseja, é o próprio amor que há-de encontrar forma de lhe passar uma rasteira. Como aconteceu no Preussenstadion, no primeiro dia de Setembro do ano de dois mil e nove. 

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