Quantas vezes o amor não ronda os
relvados e as bancadas dos campos de futebol pelo mundo inteiro? Muitas, não
tenho dúvidas. Amor e paixão são partes integrantes desse grande espectáculo de
multidões (grandes e pequenas, porque também se fazem jogos com bancadas
vazias, onde a emoção rasga mais corações do que certos estádios bem compostos).
No entanto, alguns amores parecem mais aceitáveis do que outros. E perante isso
tem o mundo que arranjar-se, de maneira a que acerte a sua existência com os
acontecimentos que os homens vão trazendo à sua beira.
Michael Riemer sempre jogou no
Preussen Munster, uma equipa dos campeonatos regionais da Alemanha. Sempre
jogou ali desde muito pequeno. Fez todos os escalões da formação no clube,
sempre com relativo apagamento, jogando como trinco. Michael tinha uma boa
compleição física, entregava-se a todas as disputas de bola como se fossem a
última, e a influência que tinha sobre os seus colegas levaram-no, também desde
cedo, a ser escolhido para capitão de equipa. Era um poder silencioso, aquele
que ele exercia sobre os seus colegas, facto que agradava aos responsáveis da
equipa.
Essas mesmas qualidades eram
apreciadas ao seu pai, Wolfgang Riemer. Mas o seu pai não era jogador de
futebol, era guardião da torre. Para muitos surpreendente, Munster mantém ainda
nos seus quadros de pessoal camarário um guardião da torre, função desempenhada
desde a Idade Média na salvaguarda da cidade, alertando para aproximações de
inimigos ou para a ocorrência de incêndios. Uma profissão totalmente desfasada
da realidade actual, mas mantida pelo município, para gáudio dos mais velhos e
orgulho da família Riemer. Têm na família uma tradição de pessoas que se
dedicaram a esta cidade. Michael, como capitão de equipa, era o mais recente.
Michael Riemer acabava por se
destacar pela sua seriedade e pacatez. Ele era o guardião das suas equipas.
Nunca se lhe apontou qualquer deslize em toda a sua carreira desportiva ou
escolar. Ele estava sempre presente a dar a cara pelos colegas nas
reivindicações ou a apoiar algum que passasse por problemas. Era o jogador exemplar.
E essa era uma forte razão para que Michael ficasse sempre como titular em
todos os escalões e que, no final da sua formação, fosse um dos escolhidos para
integrar o plantel sénior do Preussen Munster. Michael assumia o seu papel de
líder apagado, e logo no segundo ano de sénior, mesmo jogando muito pouco, foi
integrado no grupo dos capitães.
Parceiro de Michael neste
percurso desportivo, foi Andy Hesl, que jogou sempre como médio de
características ofensivas da equipa, capaz de resolver jogos atrás de jogos, embora
um pouco problemático dada a sua personalidade rebelde. Michael Riemer foi um
dos seus grandes defensores, até que na época passada, Andy exagerou nos seus
actos, faltando a uma convocatória e acabou dispensado pelo treinador da
equipa. Para Michael, foi como se um mundo se desmoronasse. Desde sempre que se
habituara a partilhar tudo com Andy Hesl e agora, pela primeira vez, iam jogar
em lados diferentes da barricada.
Os piores receios de Michael
acabaram por se confirmar quando Andy assinou contrato com o SC Verl, equipa do
mesmo campeonato, com encontro marcado para a quinta jornada, no
Preussenstadion. O SC Verl de camisolas e calções brancos, o Preussen Munster
de camisolas riscadas de verde e preto e calções pretos. Michael foi titular,
tal como Andy. Durante todo o jogo só tiveram olhos um para o outro. O ataque
do SC Verl não foi municiado por nenhum passe saído dos pés de Andy Hesl.
Michael Rimmer não fez nenhum roubo de bola, tornando o meio-campo do Preussen
algo muito próximo de um passador. Para a grande maioria dos presentes no
estádio, foi apenas um dos piores dias daqueles dois jogadores. Para outros,
mais próximos, foi a confirmação daquilo que há muito desconfiavam.
O amor e a paixão rondam, mesmo
muitas vezes, os relvados e as bancadas de campos de futebol pelo mundo
inteiro. Mas enquanto alguns apaixonados entoam esse amor a altas vozes, de
coração aberto, outros acabam por esconder os seus sentimentos numa dedicação
extrema à sua função ou, por outro lado, numa rebeldia aceitável apenas num
génio. Quer uma quer outra opção dão, no final, mau resultado. Porque mais
importante que o jogo, é, sem dúvida, a vida. E se a vida não permite que o
amor flua como deseja, é o próprio amor que há-de encontrar forma de lhe passar
uma rasteira. Como aconteceu no Preussenstadion, no primeiro dia de Setembro do
ano de dois mil e nove.
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