Ser um jovem calado é uma virtude
muito apreciada pelo padre católico de Bondoukou, cidade do interior da Costa
de Marfim, e a isso juntava Jean-Baptiste o seu nome, tão católico e bem
intencionado, tão lavado de pecado na injustiça da história, que faziam dele um
modelo para os outros meninos que frequentavam as lições de catequese. No meio
da mais sincera pobreza, o padre pregava a palavra de Cristo para um pequeno
grupo de crianças que, entre o respeito e o temor, esperavam ansiosamente serem
libertadas de obrigações para dar uns pontapés na bola.
Jean-Baptiste era também um nome
cheio de razões. Na verdade, os seus pais deram-lhe este nome para agradecer a sobrevivência
a um parto complicado. Dedicando-o ao primo de Jesus, esperaram que a criança
não ficasse às portas do céu por falta de baptismo. Ao chegar lá acima,
anunciando-se como Jean-Baptiste, era certo que lhe franqueariam a entrada. Encerrava
em si, ainda, uma grande contradição. É que ninguém na família sabia falar
francês. Todos comunicavam numa das línguas locais, o Abron, e escolher um nome
francês era, de certa forma, oferecer ao filho um destino estrangeiro.
Para além da catequese e das brincadeiras
naturais das crianças, Jean-Baptiste frequentava a escola de formação do
Scaraboutou Sports, uma equipa secundária da Costa de Marfim. No entanto, por
mais longínquos que sejam os locais onde se joga futebol, um talento é uma
coisa impossível de se esconder. E Jean-Baptiste Koulibaly era agora um talento
a que ninguém ficava indiferente. Calado, sempre calado, mas um defesa-central que impunha respeito na sua área. Como aos
dezasseis anos tinha já um físico impressionante, foi contratado para ir jogar
na Europa. Para a família, Jean-Baptiste tinha conquistado os favores de Deus.
Koulibaly assinou pelo CFR Cluj,
uma equipa romena recuperada das cinzas da história por um milionário com um
sonho. Iuliu Muresan andou pelo mundo a contratar jogadores e um dos seus
empresários julgou ver em Jean-Baptiste uma esperança para o futuro. O primeiro
ano passou-o na equipa de juniores e confirmou todo o seu potencial.
Jean-Baptiste tinha jogo. A única ressalva que lhe faziam os treinadores era o
não falar. É que Jean-Baptiste passara de ser um rapaz calado para ser um rapaz
totalmente ignorante da língua que se falava à sua volta.
Sem conhecimento mínimo de
nenhuma língua europeia, Jean-Baptiste tinha todas as dificuldades para se
expressar ou compreender aquilo que lhe diziam. E tendo toda a sua escola sido
limitada à catequese, toda a sua vida entregue à virtude de ser um bom rapaz,
agradecido aos favores de Deus, Jean-Baptiste nem estranhava. Enquanto o
deixassem jogar na sua posição, fazer o que sempre fizera para evitar os
adversários de chegar à sua baliza, estava seguro. De resto, dormia onde lhe
apontassem uma cama, comia onde lhe apontassem uma mesa. Era um rapaz simples.
No ano seguinte, acabadinho de
fazer 18 anos, Jean-Baptiste Koulibaly passou a treinar com a equipa principal
do CFR Cluj. Tendo muita gente na equipa que fizesse a posição de
defesa-central, o treinador insistia que Jean-Baptiste jogasse mais na direita,
a tapar a lateral. Mas fazer com que Jean-Baptiste compreendesse era tarefa bem
mais difícil. Sempre Jean-Baptiste encontrava forma de se colocar no meio do
terreno, a tentar liderar tropas, com gestos e gritos que mais ninguém
percebia. Talvez por isso tenha passado a maior parte da época sem sequer ser
convocado.
Só que longas são as épocas e,
algumas vezes, curtos os plantéis. Na véspera do encontro com o AS Roma que
definiria a continuação do CFR Cluj na Liga dos Campeões, duas lesões
inesperadas e Jean-Baptiste estreia-se nos convocados. Aos onze minutos de jogo
no Estádio Constantin Radulescu, o AS
Roma marca e o treinador decide colocar Jean-Baptiste na luta. A intenção era a
melhor. Um jogador com o físico de Jean-Baptiste iria dar mais força no embate
contra o adversário, num esquema com três centrais. Mas Jean-Baptiste não percebeu.
Sempre com a tentação de se posicionar mais ao meio, desguarneceu continuamente
o lado direito da defesa e o jogo foi uma luta inglória da equipa do CFR Cluj,
não para ganhar ao AS Roma, mas para fazer com que Jean-Baptiste percebesse o
que fazia dentro do campo.
Jean-Baptiste Koulibaly só fez
esse jogo pela equipa principal. Entrou aos doze minutos e saiu aos sessenta e
cinco, quando a equipa sofreu o terceiro golo e já não havia esperanças de
qualificação. No campeonato nacional, Jean-Baptiste não teve oportunidade
sequer de passar do banco. No final do ano, acabou dispensado. Não tinha
condições para continuar como profissional do clube. Voltou para a Costa de
Marfim, onde ajuda o padre de Bondoukou a educar as crianças da cidade. Joga no
Scaraboutou Sports, vê os jogos da Liga dos Campeões e aprende francês. Talvez
ainda volte a ser alguém, no futebol. Se lhe reconhecerem, então, as necessárias
virtudes.
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