Tudo começou quando Silvério
Pimenta, industrial português de Sá da Bandeira, investiu todo o seu dinheiro
nos caminhos-de-ferro angolanos. O investimento foi um sucesso. Durante quatro
décadas, a sua família viveu dos rendimentos do negócio de transporte e
distribuição ligado à linha de Moçâmedes, na antiga colónia portuguesa. Mas o
seu filho, herdeiro de parte do negócio, sentiu que a instabilidade sentida no
norte do território acabaria por chegar ao sul, mudando-se para a África do Sul
no início dos anos sessenta. São estas as origens de Peter Pimenta, um dos mais
instáveis jogadores de futebol que passou pelos campos da África do Sul.
Peter Pimenta nasceu e viveu na Cidade
do Cabo toda a sua infância. Filho de um funcionário dos Comboios da África do
Sul, Peter era fascinado por essas máquinas de viagem. Cresceu numa cidade de
emigrantes, falantes de línguas totalmente diferentes, valendo-se do inglês
como intermediário. A África do Sul sempre foi um país atípico. Nação de vários
povos, colonizados e colonizadores, fez da língua franca a sua língua materna.
Peter, filho de brancos de Angola, um português desorbitado, era, ao mesmo
tempo, estrangeiro e local. Nasceu já com o gene da viagem na pele, mas foi a
jogar futebol que encontrou o seu lugar.
Peter Pimenta começou a jogar no
Hellenic, o clube da comunidade grega, como o próprio nome denuncia. O futebol
sul-africano sempre foi uma confusão de campeonatos. Ligas para brancos, ligas
para negros, ligas para mestiços, como se a bola se queixasse da cor dos pés
que vão dentro das botas. O Hellenic jogou, originalmente, no campeonato dos
brancos, tendo sido uma das equipas que foi sobrevivendo às constantes
fundações e uniões dos vários campeonatos. Quando Peter Pimenta foi convidado a
assinar o seu primeiro contrato semi-profissional, o Hellenic era uma equipa
que disputava sempre os primeiros lugares da tabela da National Soccer League.
Grandes nomes vestiram a camisola
do Hellenic ao longo da sua história. Os “deuses gregos” eram conhecidos por
conseguirem levar sempre muitos adeptos ao seu estádio. Também não era estranho
ter um português a vestir a camisola deste clube. Sérgio dos Santos, Fernando
Custódio, os irmãos Neves, todos eles foram referências para os seguidores do
Hellenic. Mas Peter Pimenta tinha qualquer coisa fora do normal. Era um jogador
muito baixo, com pouco mais de 1m60, rápido como ninguém a correr as laterais
dos campos em que jogava. Era um extremo puro, mestre da finta, embora
parecesse, durante grande parte dos jogos, que a sua cabeça viajava por outro
lado.
Peter acabou por ser um dos
beneficiados da abertura do regime sul-africano e do fim do apartheid. Desde
que foi nomeado treinador da selecção da
África do Sul multi-racial, Clive Barker convocou Peter Pimenta para todos os
jogos. Apesar de ser um jogador um pouco ausente, bastava que a bola lhe chegasse
aos pés para maravilhavar a multidão e criar um perigo contra o qual era
difícil encontrar antídoto. Clive Barker chamava-lhe a sua “pequena arma secreta”
e Peter Pimenta adorava o epíteto. Foi assim que Pimenta acabou por ser um dos
jogadores presentes na Taça das Nações Africanas em 1996.
Essa Taça foi o grande momento da
história desportiva da nova África do Sul. Toda a população e todos os
dirigentes se empenharam para que a imagem do país saísse reforçada
internacionalmente. Peter Pimenta gozou esses dias com uma sensação dúbia. Por
um lado sentia, como todos os seus colegas, que aquela atenção sobre os seus
jogos poderia significar um futuro profissional no futebol. Por outro, para
além de se ver obrigado a defrontar a equipa de Angola, país do seu pai, a cada
momento cresciam-lhe as dúvidas sobre o que gostaria de fazer mesmo com o seu
futuro. Se a ideia de ser profissional era uma porta aberta para uma série de
viagens, talvez não fosse bem esse o tipo de viagem que Peter procurava.
Quando a 3 de Fevereiro de 1996,
no Soccer City de Joanesburgo, Nelson Mandela entregou a taça de vencedor ao
capitão Neil Tovey, a cara de Peter Pimenta na fotografia que guardei desse
momento, demonstra todas as dúvidas que ele tinha acerca do seu futuro. E a
verdade é que de todos os jogadores sul-africanos que venceram o troféu, Peter
Pimenta foi quem seguiu o caminho mais obscuro. Enquanto alguns saíram para
Inglaterra, a maioria dos jogadores ficou na nova PSL, a primeira liga da
África do Sul democrática. Uma nova era começara no futebol sul-africano, pela
primeira vez profissionalizado e com uma selecção que dava cartas no panorama
continental.
Peter Pimenta tornou-se num nome
perdido dos ficheiros do futebol profissional. Saiu da África do Sul para
Moçambique, onde se estabeleceu na cidade de Maputo, sem ocupação definida. O
que se sabe é que Peter Pimenta se tornou num dos jogadores mais importantes do
Ferroviário de Maputo, onde entre 1996 e 2006 conquistou seis títulos de
campeão nacional. Pode parecer estranho que um jogador abdique de um futuro
profissional prometedor para ir jogar numa equipa que está fora dos grandes
noticiários desportivos mundiais. Mas o amor de Peter Pimenta pelos comboios é
capaz de explicar uma parte do seu caso.
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