Quantos anos pode esperar uma
equipa até encontrar a sua glória? Nos dias de hoje, ninguém arriscará dizer
mais do que um ou dois anos. No entanto, a glória pode ser medida de várias
formas. Para o Sutton United, mais de uma dezena de títulos foi conquistada na
sua longuíssima história. No entanto, para alcançar a verdadeira glória, foram
necessários noventa anos. Sim, noventa anos. Exactamente o tempo que separa a
fundação deste clube dos arredores de Londres do jogo em que atingiram a fama
nacional e internacional. Esse jogo, a contar para a FA Cup, a famosa Taça de
Inglaterra, foi disputado em sua própria casa, contra o Coventry City. A
partilhar a felicidade dos milhares de adeptos deste pequeno clube estava Andy
Murray, o guarda-redes suplente da equipa.
Andy Murray, enquanto jogador de
futebol, era um produto da casa. Começou muito jovem, aos dez anos, a jogar na
equipa do Sutton United. O nome deste clube raramente sai das portas do seu
bairro. Disputando os campeonatos amadores ingleses, sem maiores ambições que
não seja o facto de poder, domingo após domingo, satisfazer a vontade dos seus
jogadores em terem um equipamento digno (todo de amarelo, neste caso), disporem
de um relvado com as medidas regulamentares e conseguirem fazer um mínimo de
pontos para não descer para um campeonato ainda mais fraco. Andy Murray
disputou muitos jogos com a camisola da sua equipa enquanto adolescente e,
quando chegou a sénior, cumpriu o seu
sonho, assinar um contracto amador para jogar na equipa principal.
Em 87-88, o clube lutava para
encontrar a estabilidade na Conference League, o mais alto nível dos clubes
amadores em Inglaterra. Andy Murray passou grande parte dessa época a treinar e
a aspirar chegar ao lote de convocados, o que acabou por acontecer uma dezena
de vezes. Na época seguinte, 88-89, Andy foi promovido a segundo guarda-redes.
Tinha agora vinte anos, trabalhava como ajudante no talho local, a sua vida era
perfeita. No entanto, ninguém poderia imaginar que, com a possibilidade de
disputar a Taça de Inglaterra, o Sutton pudesse atingir um patamar de destaque.
O conjunto de jogadores era o mesmo de há umas épocas, dirigidos por Barrie Williams, um treinador com ares de Lord
Inglês que passava os jogos a fumar o seu cachimbo, com um ar praticamente
imperturbável.
Na primeira eliminatória da Taça,
o Sutton United foi a Daggenham vencer por 4-0. Na segunda, uma deslocação a
Aylesbury valeu-lhes uma vitória por 1-0. Quis o sorteio que, na terceira
eliminatória, recebessem o Coventry City, equipa da Primeira Divisão Inglesa
que ganhara a Taça de Inglaterra apenas dois anos antes. Na tarde de 7 de
Janeiro de 1989, o estádio estava cheio. Andy Murray lembra-se bem do
nervosismo que reinou durante toda a semana, das presenças de jornalistas nos
treinos, da exigência do treinador em inventar uma forma surpreendente de
marcar cantos e livres perto da área. Andy também se lembra que foi essa
insistência que lhes valeu o resultado. Os jogadores do Coventry entraram em
campo mais do que convencidos da vitória, mas a fúria dos amarelos de Sutton,
conjugada com a sua organização, valeram
a grande surpresa da eliminatória. Nunca mais, desde esse dia, uma equipa
amadora venceu uma equipa da Primeira Divisão na FA Cup.
O sorteio da eliminatória
seguinte determinou o encontro do Sutton United com uma outra equipa canarinha,
o Norwich City, à época uma das mais fortes equipas inglesas. No entanto, na
semana anterior ao jogo, o guarda-redes titular lesionou-se, fracturando três
dedos da mão enquanto trabalhava numa obra. Andy Murray teria a sua estreia na
equipa do Sutton United num palco de sonho, Carrow Road. O mesmo campo que ele
só vira na televisão, cheio de estrelas com quem ele nunca sonharia jogar,
seria o campo da sua estreia. Foi um dia histórico, sim. Para Andy, que se
estreou. Para o Sutton United, que disputou uma impensável quarta eliminatória
da Taça. E para o Norwich, que conseguiu uma das suas maiores goleadas na
competição. 8-0. Oito, o número de golos que Andy sofreu naquele jogo. Mas
ainda assim foi destacado como um dos melhores jogadores da sua equipa. A sua
coragem evitara um descalabro ainda maior.
Noventa anos esperou o Sutton United
pelo seu dia de glória, e apenas dois dias teve que esperar Andy Murray pelo
seu. Foi esse o tempo que demorou a tocar o telefone do talho onde trabalhava,
sendo que do outro lado estava Ian Branfoot, treinador do Reading FC, equipa
profissional da Terceira Divisão. O convite era para que Andy assinasse
contrato de dois anos, e que se juntasse de imediato aos azuis e brancos, que
estavam com um problema de lesões entre os seus guarda-redes. Andy Murray não
pensou duas vezes. Aceitou. Largou o talho, a glória efémera do Sutton United,
o seu bairro. Foi atrás de um sonho que alimentara durante muito tempo, sendo
que, durante todo esse tempo o considerara impossível de alcançar.
Andy Murray jogou durante seis
anos no Reading. Depois seguiu para Southampton, onde disputou alguns jogos da
Primeira Divisão, durante três épocas. Depois, esteve duas épocas num
depauperado Portsmouth, na Segunda Divisão, acabando por regressar ao Sutton
onde ainda hoje joga, com 41 anos, sendo dono do talho local e treinador dos
guarda-redes mais jovens da formação do seu bairro. Andy Murray é uma das
figuras do clube, um dos rapazes mais respeitados da localidade. Dizem que,
tendo sido um eterno suplente em quase todos os clubes por onde passou, ganhou
um carisma que poucos guarda-redes conseguem manter durante toda a sua
carreira. Em plena adversidade, Andy sobressai, salvando, senão o resultado,
pelo menos a honra da sua equipa. E isso, meus amigos, tem um valor
incalculável.