quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O Suiço da Lourinhã


Neuchatel é uma pequena cidade suíça. Como várias outras cidades suíças, Neuchatel tem grandes relojoeiros, tendo ainda dado nome a uma típica variedade de fondue e visto nascer Jean Piaget. Já serão algumas coisas, mas nenhuma delas suficientemente relevante para aquilo que vos vou contar de seguida. Trata-se da história de Francisco Gomes. E como o nome indica, dificilmente a sua história começou na cidade de Neuchatel. Na verdade, começou a muitos quilómetros de distância.
A história começa então na aldeia da Marteleira, no concelho da Lourinhã, em Portugal, de onde eram oriundos os pais deste rapaz.  No final da década de sessenta, foram dos primeiros portugueses a chegar à pequena cidade suíça. Maria, a mãe, começou desde logo a trabalhar na limpeza, enquanto o pai se dedicava a pequenos trabalhos de construção, como servente de um espanhol. A vida não era fácil para os estrangeiros na Suiça, naquela época, mas estes dois portugueses eram persistentes e acreditavam que algo de bom lhes aconteceria naquela terra. E foi assim que em 1969 nasceu Francisco Gomes júnior, o seu primeiro filho, cidadão suíço.
O Francisco júnior sempre foi um rapazinho cativante. Fisicamente, prometia ser mais um dos enormes Gomes da Marteleira. Encorpado e de sorriso fácil, rapaz dedicado aos estudos por obrigação materna e ao futebol por incentivo paterno. Francisco entrou com dez anos para as escolas do FC Xamax, a equipa de Neuchatel, e acompanhou, durante o seu percurso de formação o crescimento do clube até à época em que conseguiram conquistar o seu primeiro título nacional. Ao tempo, o FC Xamax era um ninho de craques internacionais, entre os quais despontava o alemão Uli Stielike, vindo do Real Madrid. Francisco, como um dos mais prometedores jogadores dos escalões de formação, partilhou imensas vezes os treinos com esses grandes jogadores.
Em 1987-88, Francisco Gomes assinou um contrato profissional com o FC Xamax e passou a fazer parte da sua equipa principal. Para Francisco era, mais do que uma honra, uma responsabilidade. Nessa altura já a cidade de Neuchatel tinha uma larga comunidade portuguesa e espanhola, e o jovem Francisco era o símbolo dessa comunidade que acorria ao La Maladiére para o ver jogar. Essa época marcou também a estreia do FC Xamax na Taça dos Campeões Europeus, jogos que viram o estádio encher-se para festejar uma caminhada que se esperava de sucessos do clube local.
Na primeira ronda, o FC Xamax bateu, com alguma facilidade, o FC Lathi, da Finlândia, sendo que na segunda ronda calhou em sorte o confronto com o Bayern de Munique. A 21 de Outubro de 1987, Francisco Gomes foi titular na equipa que venceu um dos grandes encontros do FC Xamax. Jogando como um dos médios defensivos da equipa, Francisco bateu-se de igual para igual com os colossos alemães e festejou o golo de Beat Sutter com entusiasmo, partindo para Munique com vantagem de 2-1. No entanto, aquilo que começou por ser um sonho, acabou por se transformar em pesadelo.
A data: 4 de Novembro de 1987. O local: Estádio Olímpico de Munique. Apesar do estádio estar meio vazio, com apenas 28000 espectadores, a imponência das bancadas fizeram com que os joelhos do jovem Francisco tremessem, ao entrar no relvado. Não se tratou bem de um jogo, mas de um massacre. Um massacre de contornos trágicos como só um jogo de futebol pode conter. Durante 87 minutos, a equipa do FC Xamax remeteu-se à defesa, evitando todas as tentativas de virar o jogo da parte dos alemães. O treinador dos suíços viu-se forçado a fazer as duas substituições possíveis a meio da segunda parte, quando dois dos jogadores mais velhos já evidenciavam falta de pernas para travar o adversário. No entanto, tudo se encaminhava para a glória.
Aos 87 minutos, Francisco Gomes caiu de joelhos à entrada da sua área. Caiu de joelhos depois de ver a bola sobrevoar toda a linha defensiva e encontrar a cabeça de Hansi Pfugler a fazer o golo do Bayern. Francisco Gomes caiu de joelhos, mas não foi de impotência. Antes, uma rotura na coxa esquerda, ao tentar chegar à bola que saía dos pés de Lothar Matthaus com aquele triste destino. A dor foi bem perceptível na sua face, mas como estavam já esgotadas as substituições, Francisco teve que permanecer em campo, praticamente imobilizado, vendo de perto o 2-0 dos alemães num golo de Wegmann. Acabava assim o sonho europeu do Xamax na época de 87-88.
Após uma paragem de longos meses, Francisco Gomes continuou como jogador do FC Xamax, embora sem o sucesso que a sua carreira na formação indiciava. Apesar de ser um suíço, nunca como tal foi encarado pela Federação, que cometeu a injustiça de não o chamar a representar a selecção. Depois de praticamente dez anos como profissional de futebol na Suiça, Francisco Gomes voltou ao lugar de origem da sua história, tendo ainda jogado numa famosa equipa do Sporting Lourinhanense, à altura, clube satélite do Sporting Clube de Portugal. Mas essa seria, já, uma outra história. 

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