Neuchatel é uma pequena cidade
suíça. Como várias outras cidades suíças, Neuchatel tem grandes relojoeiros,
tendo ainda dado nome a uma típica variedade de fondue e visto nascer Jean
Piaget. Já serão algumas coisas, mas nenhuma delas suficientemente relevante
para aquilo que vos vou contar de seguida. Trata-se da história de Francisco
Gomes. E como o nome indica, dificilmente a sua história começou na cidade de
Neuchatel. Na verdade, começou a muitos quilómetros de distância.
A história começa então na aldeia
da Marteleira, no concelho da Lourinhã, em Portugal, de onde eram oriundos os
pais deste rapaz. No final da década de
sessenta, foram dos primeiros portugueses a chegar à pequena cidade suíça.
Maria, a mãe, começou desde logo a trabalhar na limpeza, enquanto o pai se
dedicava a pequenos trabalhos de construção, como servente de um espanhol. A
vida não era fácil para os estrangeiros na Suiça, naquela época, mas estes dois
portugueses eram persistentes e acreditavam que algo de bom lhes aconteceria
naquela terra. E foi assim que em 1969 nasceu Francisco Gomes júnior, o seu
primeiro filho, cidadão suíço.
O Francisco júnior sempre foi um
rapazinho cativante. Fisicamente, prometia ser mais um dos enormes Gomes da
Marteleira. Encorpado e de sorriso fácil, rapaz dedicado aos estudos por
obrigação materna e ao futebol por incentivo paterno. Francisco entrou com dez
anos para as escolas do FC Xamax, a equipa de Neuchatel, e acompanhou, durante
o seu percurso de formação o crescimento do clube até à época em que
conseguiram conquistar o seu primeiro título nacional. Ao tempo, o FC Xamax era
um ninho de craques internacionais, entre os quais despontava o alemão Uli
Stielike, vindo do Real Madrid. Francisco, como um dos mais prometedores
jogadores dos escalões de formação, partilhou imensas vezes os treinos com
esses grandes jogadores.
Em 1987-88, Francisco Gomes
assinou um contrato profissional com o FC Xamax e passou a fazer parte da sua
equipa principal. Para Francisco era, mais do que uma honra, uma
responsabilidade. Nessa altura já a cidade de Neuchatel tinha uma larga comunidade
portuguesa e espanhola, e o jovem Francisco era o símbolo dessa comunidade que
acorria ao La Maladiére para o ver jogar. Essa época marcou também a estreia do
FC Xamax na Taça dos Campeões Europeus, jogos que viram o estádio encher-se
para festejar uma caminhada que se esperava de sucessos do clube local.
Na primeira ronda, o FC Xamax
bateu, com alguma facilidade, o FC Lathi, da Finlândia, sendo que na segunda
ronda calhou em sorte o confronto com o Bayern de Munique. A 21 de Outubro de
1987, Francisco Gomes foi titular na equipa que venceu um dos grandes encontros
do FC Xamax. Jogando como um dos médios defensivos da equipa, Francisco
bateu-se de igual para igual com os colossos alemães e festejou o golo de Beat
Sutter com entusiasmo, partindo para Munique com vantagem de 2-1. No entanto,
aquilo que começou por ser um sonho, acabou por se transformar em pesadelo.
A data: 4 de Novembro de 1987. O
local: Estádio Olímpico de Munique. Apesar do estádio estar meio vazio, com
apenas 28000 espectadores, a imponência das bancadas fizeram com que os joelhos
do jovem Francisco tremessem, ao entrar no relvado. Não se tratou bem de um
jogo, mas de um massacre. Um massacre de contornos trágicos como só um jogo de
futebol pode conter. Durante 87 minutos, a equipa do FC Xamax remeteu-se à
defesa, evitando todas as tentativas de virar o jogo da parte dos alemães. O
treinador dos suíços viu-se forçado a fazer as duas substituições possíveis a
meio da segunda parte, quando dois dos jogadores mais velhos já evidenciavam
falta de pernas para travar o adversário. No entanto, tudo se encaminhava para
a glória.
Aos 87 minutos, Francisco Gomes
caiu de joelhos à entrada da sua área. Caiu de joelhos depois de ver a bola
sobrevoar toda a linha defensiva e encontrar a cabeça de Hansi Pfugler a fazer
o golo do Bayern. Francisco Gomes caiu de joelhos, mas não foi de impotência.
Antes, uma rotura na coxa esquerda, ao tentar chegar à bola que saía dos pés de
Lothar Matthaus com aquele triste destino. A dor foi bem perceptível na sua
face, mas como estavam já esgotadas as substituições, Francisco teve que
permanecer em campo, praticamente imobilizado, vendo de perto o 2-0 dos alemães
num golo de Wegmann. Acabava assim o sonho europeu do Xamax na época de 87-88.
Após uma paragem de longos meses,
Francisco Gomes continuou como jogador do FC Xamax, embora sem o sucesso que a
sua carreira na formação indiciava. Apesar de ser um suíço, nunca como tal foi
encarado pela Federação, que cometeu a injustiça de não o chamar a representar
a selecção. Depois de praticamente dez anos como profissional de futebol na
Suiça, Francisco Gomes voltou ao lugar de origem da sua história, tendo ainda
jogado numa famosa equipa do Sporting Lourinhanense, à altura, clube satélite
do Sporting Clube de Portugal. Mas essa seria, já, uma outra história.
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