sábado, 16 de março de 2013

500 jogos depois – Manuel Cajuda


|Luís F. Cristóvão


Hoje é um dia histórico para o futebol português, com Manuel Cajuda a completar 500 jogos na principal divisão nacional como técnico principal, sendo apenas o sétimo treinador a atingir esta marca – Fernando Vaz, com 646 jogos, é ainda o detentor do recorde. Na mesma semana em que Jorge Jesus fez uma muito comentada intervenção na FMH-UTL, cabe-me sublinhar alguns pontos que considero muito interessantes da entrevista dada pelo técnico algarvio ao jornal A Bola. Não querendo, com isso, fazer uma defesa do treinador, mas sim tentar perceber melhor alguns traços que o tornam uma singular personagem do nosso futebol.

A primeira nota vai para a formação do técnico. Afirma Manuel Cajuda que fez um curso prático com Hristo Mladenov, o técnico búlgaro que passou pelo Farense, sendo o último treinador da sua carreira e quem o indicou para se juntar à equipa técnica. Mladenov vinha de uma longa carreira de sucesso no futebol búlgaro, tendo treinado a seleção desse país no Mundial de 74. Uma das frases que Cajuda aponta ao búlgaro é um “senta e escreve”. Na valorização do que é uma aprendizagem prática, é necessário compreender que em 1982, Portugal não exportava treinadores, nem jogadores, praticamente, e o nosso futebol disputava ainda jogos de Primeira Divisão em pelados. A chegada de técnicos dos países de leste era ainda uma prática comum, pelo conhecimento que traziam e, presumo, pelo baixo preço em comparação com técnicos de outras paragens (Inglaterra, Suécia, só para citar casos do mesmo tempo). Não descuro que a introdução de um técnico de basquetebol na sua equipa (quando treinou o Olhanense em 85/86), de um psicólogo e de um nutricionista (mais tarde), tenham sido todas ideias semeadas pelo contacto com o professor búlgaro, unindo isso a um reconhecimento experiencial das necessidades dos seus jogadores. É realmente fácil, hoje, comparar o mal que se fez no passado com o bem que se pode fazer no presente. Mas Cajuda vem dos dias em que se faziam omoletes sem ovos.

Daí que me soe muito curioso ler este excerto da entrevista – que passo em discurso direto. "Há uma série de comentadores que falam em transições, encurtamentos, transições multissetoriais, segundas e terceiras bolas, passe de primeira e segunda estação e, curiosamente, ninguém fala do passe de merda, que é o passe errado".  Não haverá, para um técnico, melhor valor do que a sua capacidade para comunicar com o atleta que está em campo. E, no fundo, esta passagem lembra-me que, seja com que nomenclatura nós quisermos descrever o que acontece num determinado jogo, serão sempre onze atletas e uma bola. Por todas as críticas que possam ser feitas ao discurso de Cajuda , é bom lembrar que o algarvio é hoje uma reminiscência de uma longa tradição de técnicos que viviam ancorados na sua ginga futebolística, como António Medeiros, Joaquim Meirim, Manuel de Oliveira, de cujos ensinamentos José Mourinho fez uma síntese com o lado mais científico do futebol para ser o melhor do mundo .

Por falar em Mourinho, existe outro ponto interessante nesta entrevista, quando Manuel Cajuda situa as suas origens e explica o seu discurso tantas vezes irónico e provocador. Mais uma vez, discurso direto. "Sou duma província que foi a última a ser ligada por autoestrada. Vim do nada. Para conseguir ter imprensa para as minhas equipas tive de dizer asneiras bem calculadas, sabendo de antemão que me sujeitava, caso as coisas não corressem bem, a apanhar porrada". E por aqui não será difícil entender alguma amargura – que atinge Cajuda e também atinge vários outros treinadores da sua geração -, por perceber que a sua forma de estar no futebol abriu portas para o que se vive hoje, mas essa herança não é compreendida, nem percebida, nem aceite, por quem vive o mundo da bola nos nossos dias.

O futebol não nasceu hoje, é o que efemérides como os 500 jogos de Manuel Cajuda nos fazem lembrar. Refletir sobre o que este homem tem para nos ensinar é, ainda, uma obrigação de quem quiser que as coisas sejam diferentes no futuro.


1 comentário:

  1. Sem duvida que por tantos anos de futebol merecia treinar um grande.

    Ainda me lembro do Jorge Jesus em equipas bem pequenas e nunca pensei que um dia fosse o treinador do Benfica.

    Para que ir buscar quique flores,vercautern e sei la mais quantos enquanto temos por ca grandes raposas do futebol...

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