domingo, 8 de maio de 2011

O futebol real-visceralista



Dele se esperava que fosse o novo grande craque do futebol mexicano. No início dos anos setenta vivia-se um clima de prosperidade no futebol mexicano, com os estádios cheios de gente que procurava encontrar no campeonato local o mesmo futebol espectacular das grandes selecções, como a do Brasil. No entanto, faltava encontrar um jovem jogador que pegasse em todo este entusiasmo e se transformasse em símbolo. Dele se esperaria que fosse o novo grande craque do futebol mexicano. O seu nome era Ulisses Lima. 

Ulisses Lima nasceu a 25 de Dezembro de 1953. Desde muito cedo frequentou as escolas de formação do Pumas-Unam, a equipa da Universidade da Cidade do México. O seu futebol atraente, o forte carisma que detinha e o natural entusiasmo mexicano levava a que centenas e centenas de adeptos se juntassem para ver as suas exibições nas camadas jovens do Pumas. Parecia ser uma questão de tempo até que fosse chamado para a equipa principal. Toda a gente esperava que isso acontecesse, toda a gente queria o craque entre os maiores. E assim foi.

A grande estreia de Ulisses Lima na equipa sénior do Pumas deu-se em Janeiro de 1970. Era um adolescente iluminado, o jovem Ulisses. Parecia sempre optar pelo movimento mais complicado, o passe mais arriscado, a corrida mais impossível. Era também um provocador das tácticas e das linhas definidas pelo treinador. Em campo, Ulisses mandava, decidia. Apesar desse facto se tornar um pouco irritante para os seus colegas de equipa, a verdade é que no final de cada movimento, Ulisses originava uma jogada perigosa ou de golo. E tudo lhe era perdoado no momento do festejo.

Tanto furor a sua presença criava que acabou por ser chamado para a equipa nacional no Mundial de 70, realizado no seu país. O ainda adolescente Ulisses Lima viu os quatro jogos da carreira do México sentado no banco, mas a simples presença naquele quadro fizeram-lhe sentir que tinha atingido o auge. Terminado o Mundial, o seu contrato profissional foi melhorado e Ulisses pôde mudar-se de casa dos pais para um apartamento bem no centro da cidade. Conquistado o mundo do futebol, a Ulisses faltava agora a conquista de vários outros mundos.

Começou a ser visto na companhia de alguns adolescentes ligados à literatura. Ele e o seu melhor amigo, Arturo Belano, eram denominados como os líderes de uma nova corrente, intitulada de "realismo visceral". Arturo Belano era o verdadeiro conhecedor da poesia e da literatura, já Ulisses Lima era o agente provocador, capaz de aparecer em saraus ou em apresentações de livros a insultar os maiores nomes da literatura mexicana. A presença deste grupo de jovens, no entanto, não era tão incómoda quanto isso. Eram os novos, tinham direito às suas aventuras, ninguém lhes dava assim tanta importância.

Não era isso, ainda assim, o que eles sentiam. Para Ulisses Lima, a literatura tornara-se numa missão. Agora passava a maior parte das suas noites nos bares mais escuros da cidade, como se procurasse um encontro com um misticismo que lhe alterasse o curso da vida. Continuava a jogar no Pumas, e por isso era reconhecido, embora não colocasse em campo a mesma magia de antes. Disso se ressentiu a selecção mexicana que acabou por ficar de fora do Mundial de 74. Ulisses Lima tinha agora 21 anos e ainda se esperava que ele fosse o grande craque do futebol mexicano. Só ele já não acreditava em tal coisa.

Ulisses Lima e o seu amigo Arturo Belano continuavam a sua investigação acerca do "realismo visceral" e começaram a planear uma viagem pelo México. As aparições de Ulisses Lima eram agora mais esparsas. Faltava muito aos treinos, facto que lhe era perdoado pelos treinadores devido a ser um dos heróis dos adeptos dos Pumas. Mas também isso parecia estar agora cada vez mais em causa, a tal ponto que já havia sido afastado da selecção e a sua presença em campo parecia não adiantar nada para o sucesso da equipa mexicana. De qualquer forma, a data da viagem planeada pelos dois amigos aproximava-se e nada do que pudesse acontecer no seu clube lhe alteraria os planos.

O último jogo de Ulisses Lima pelo Pumas foi contra a equipa do Tecos-UAG. Ulisses Lima foi mais uma vez titular, mas uma noite mal dormida e o seu total alheamento do jogo nada de bom prometiam. Dizem até que Ulisses entrou em campo a ler um livro de filosofia alemã e que, durante os poucos mais de vinte minutos que esteve em campo, o transportava dentro dos calções. O treinador acabou por não aguentar mais ter aquele peso morto em campo e substituí-o por um jovem jogador chamado Hugo Sánchez, que poucos pareciam acreditar que se tornasse sequer num jogador de nível médio.

A viagem de Ulisses Lima e Arturo Belano realizou-se com destino incerto. Vários relatam que se dirigiram para Norte, em busca de Cesárea Tinajero, a mãe do "realismo visceral". No entanto, nenhum desses relatos pôde ser comprovado por qualquer facto concreto. A única coisa que se sabe é que, durante vinte anos, Ulisses Lima desapareceu do mapa. A isso não deverá ser estranho o dado de, no Deserto de Sonora, não existirem clubes de futebol.

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