quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Nani, bênção ou maldição?

| António Valente Cardoso

Um dos grandes focos do defeso para a liga portuguesa foi o regresso de Nani, visto pela massa adepta leonina e pelos especialistas que escrevem e falam sobre futebol em Portugal como uma enorme mais-valia para o Sporting CP.



Nani tem sido um dos mais bem-aventurados da crítica portuguesa. Apesar de caído em desgraça no seio do Manchester United, ainda de Sir Alex Ferguson, perdendo gradualmente espaço na primeira equipa, gozou de condição privilegiada na selecção de Paulo Bento quase até ao limite e sempre foi e é defendido por quase todos como peça essencial, na eterna confusão entre ser e estar.

A crítica continua a elogiar cada jogo do extremo de 27 anos, cada conjunto de fintas que termina, quase consequentemente, de forma insípida, sem um resultado, um fim colectivo. Nota-se que o jogador sente uma necessidade de provar mais-valia, de dar razão à escolha, pretende estar no centro decisório, mas as suas escolhas e movimentações assemelham-se a um miúdo de rua, correndo para onde está a bola, numa aglomeração tão normal na aprendizagem mas pouco recomendável e compreensível num futebolista feito, carregado de jogos em todas as competições de topo na modalidade e com tantos anos de Premier League.


Individualmente, é verdade que Nani tem desequilibrado no seu regresso ao Sporting CP, contudo a sua chegada denota facetas bem mais preocupantes, a perda do colectivo e da preponderância individual de outras figuras, que apareciam em crescendo. André Martins será a expressão máxima dessa condição de mais a menos. Fulgurante e decisivo na época passada e no arranque desta nova temporada, visto como boa alternativa para a selecção em função dos bons desempenhos, o jovem médio argoncilhense eclipsou-se desde que Nani apareceu no onze leonino.

Outra situação que é indissociável da entrada de Nani no onze prende-se como todo o funcionamento do meio-campo. William Carvalho-Adrien Silva-André Martins pareceram quase um na forma como guiaram o clube ao vice-campeonato. Mais do que na defesa ou no ataque, o sucesso leonino de Jardim esteve no meio-campo, nos equilíbrios fornecidos, nas ligações e protecções a uma defesa que sempre se percebeu relativamente débil, não é nada de novo, no apoio e enlace com o ataque, algo que se observou também na pré-época, mesmo ensaiando Oriol Rosell e João Mário como boas alternativas nesse miolo. O médio portuense continua a ter as portas do onze leonino fechadas, algo que sucede ano após ano ainda que a sua qualidade e potencialidade sejam reconhecidas há longo tempo.

Nani é uma obrigatoriedade após a contratação, será ele e mais dez salvo lesão ou castigo durante toda a época, o que aporta outros problemas na gestão de plantel e das próprias opções tácticas para Marco Silva, com avançados como Montero ou Tanaka, interessantes para actuarem próximo de Slimani ou em conjunto, num esquema a quatro médios, que poderia igualmente favorecer e fortalecer João Mário, sem detrimento de qualquer dos consolidados titulares do Sporting CP.
Pensar em Nani como ‘10’ é, do meu ponto de vista, um erro, não o conseguiu assumir em cada ensaio de Paulo Bento, muito menos nas escassas tentativas nos ‘Red Devils’. Se há um cérebro no jogo de futebol esse é o ‘10’, que tem de perceber mais do que qualquer outro cada momento do jogo, quando fintar, quando passar, olhar todos os companheiros, encontrar a solução ideal para cada desenrolar de jogada, saber fechar, saber abrir, ainda mais dentro do contexto evolutivo do futebol, onde o médio criativo não se resume ao papel ofensivo e a um espaço de terreno reduzido. A principal faceta do médio criativo continua a ser a capacidade de ler o jogo e de passe e isso não se observa em Nani.

Marco Silva insiste em Nani e Carrillo ao mesmo tempo, situação que ainda complica mais toda a construção colectiva da equipa, falta o apoio defensivo aos laterais, falta a noção correcta de passe, falta a percepção de centro. Não basta centrar, é necessário que cada cruzamento caia onde está um companheiro ou num local para onde se movimente um colega. Não adianta fintar um, dois, três se de seguida a bola é perdida ou o passe é mal executado. Dificilmente se consegue ‘agradar’ os colegas quando não se respeita o ‘overlapping’, uma vez sim, sempre não, quando se tem linhas de passe e se opta pelo individual, uma e outra vez. Dois elementos que defendem mal ou não defendem destroem todo um colectivo, toda uma equipa que acaba por se perder, se desposicionar face a essas fragilidades.

A época dirá se a estrela luso-cabo-verdiana se confirmará como um motor rumo aos lugares ‘Champions’ ou areia numa engrenagem promissora!

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