terça-feira, 30 de novembro de 2010

Uma fábrica de jogadores - Entrevista a Goran Nogic, Benfica


Goran Nogic é o Coordenador da Formação de Basquetebol do SL Benfica. Nascido na Sérvia em 1971, Goran trabalhou em diversos clubes do seu país natal, onde se destaca o Partizan Belgrado. Depois de uma passagem pela Simon Frazer University (Canadá), chegou a Portugal em 1999, onde passou pelo Estoril, Imortal e Barreirense, antes de chegar ao clube da Luz. Na sua visão sobre o basquetebol português, percebe-se essa experiência acumulada em diferentes países.
 - Como está organizada a formação do Benfica? Quantos atletas, treinadores e equipas trabalham no clube?
Toda a coordenação da Formação de Basquetebol do SL Benfica, está organizada em duas vertentes: Coordenação Técnica e Coordenação de Projectos, sempre directamente apoiada pelo Director Geral das Modalidades, o Sr. Carlos Lisboa.
Ao mesmo tempo as equipas são divididas e orientadas em quatro áreas de intervenção:
1.      Captação (Equipas de Mini Basquetebol Sub-8, Sub-10 e S-12B)
2.      Preparação para competição (Equipas B, C, e Sub-12A)
3.      Equipas de competição (Sub-19f, Sub-18, Sub-16f, Sub-16, Sub-14f e Sub-14)
4.      Equipa Sub-20 (participa como equipa “B” no campeonato CNB1)
Na época em curso, o número total de atletas é de 241 jovens rapazes e raparigas, distribuídos por todos os escalões de formação, num total de 16 equipas. Com eles diariamente trabalham 15 treinadores e 4 monitores, apoiados por 14 seccionistas.
- Para ti, qual a importância dos resultados escolares na evolução de um atleta?
Há muitos exemplos de bons alunos e bons atletas, mas também há jogadores de classe top, que não tiveram sucesso escolar. De qualquer modo há um paralelo entre a aprendizagem em escola e a aprendizagem em campo, ou seja, o atleta que aprende com facilidade na escola, muitas vezes aprende com mais facilidade nos treinos. A aprendizagem é só uma parte do sucesso, porque uma maior evolução na escola depende principalmente do volume e qualidade do estudo, enquanto a evolução de um atleta depende da sua entrega no treino e no volume de repetições que o treino proporciona. A mensagem que estamos passar para os nossos atletas, é que o sucesso desportivo pode-nos facilitar a vida depois da carreira, mas, só se tivermos sucesso ao nível académico antes e durante carreira profissional como atleta.
- Consideras fundamental que um jogador passe pelos diversos escalões de formação ou parece-te melhor que o jogador seja colocado a jogar contra atletas mais velhos, de modo a enfrentar maiores desafios?
Não se pode dar uma resposta geral a uma pergunta se é bom “queimar etapas” ou não. Na nossa formação cada caso é analisado como um caso e é conforme os objectivos que se pretendem alcançar, que se toma uma decisão. O principal critério tem a ver com as capacidades físicas do jogador, e as possibilidades que o mesmo tem para enfrentar a força e a intensidade dos mais velhos, sem prejudicar a sua saúde. Em segundo lugar, está a necessidade de manter, pelo menos, as mesmas oportunidades (tempo de jogo) no escalão mais velho, como no seu escalão etário. Por último, só vale a pena subir de escalão, se o jogador tem capacidades psicológicas para se manter como líder durante os treinos e jogos, da mesma maneira como liderava o grupo onde era dominante. Por tudo isto, estas decisões têm que ser tomadas depois de uma análise profunda, porque “a jogar contra atletas mais velhos”, em geral, pode ser bom só se o jogador estiver bem enquadrado, acompanhado e orientado.
- O campeonato nacional de sub-20 tem sido muito criticado. Para ti, faz sentido a sua existência?
Em geral sou muito mais crítico em relação à forma como se disputa o Campeonato Nacional de Sub-20, do que se faz sentido existir ou não. Talvez o ideal seria um Campeonato de Sub-19, onde fosse permitido que jogassem 2 ou 3 jogadores do escalão Sub-20. O problema é que as equipas do Sul que não se apuram para Fase Final, nunca jogam com equipas do Norte, e assim tem-se um “Meio” Campeonato Nacional. Às vezes as equipas fazem mais jogos-treino com equipas de Espanha do que com equipas a Sul ou Norte do nosso Pais. Por outro lado, entendo que, existindo 38 equipas a disputar estes campeonatos, nem todos jogadores destas equipas poderão vir a jogar nas equipas dos Campeonatos CNB2, CNB1, Proliga ou da Liga.
- No crescimento de um atleta, qual a importância de passar pela equipa B?
No crescimento de um atleta, o mais importante, são as horas e a qualidade do trabalho. Passar por uma equipa B ou ser emprestado a uma outra equipa, é só um “upgrade” na sua formação. De qualquer maneira, para os jogadores jovens do nosso clube, nas últimas três épocas, foi muito útil jogar integrado na equipa “B” a disputar a CNB1, principalmente logo no início de campeonato, enquanto todas as outras equipas estão ainda motivadas e bem treinadas.
- Este ano, o Benfica optou por emprestar uma série de jogadores a outras equipas. Qual o objectivo do clube ao tomar esta decisão?
A decisão sobre se um jogador vai fazer parte do plantel da equipa principal ou não, é sempre uma decisão que tem de ser tomada, em “exclusividade”, pela equipa técnica do plantel principal. Só os técnicos da equipa sénior sabem qual o estilo de jogo que desejam e vão utilizar, com que sistemas defensivos e ofensivos vão atrair os nossos adeptos e sócios, e como vão trazer alegria aos mesmos, através das vitórias, que no fundo, na maior parte das vezes, são os parâmetros de sucesso. Assim, com naturalidade, eles podem (ou não) escolher um jogador da formação para fazer parte da equipa principal, como podem, também, escolher (ou não) qualquer outro jogador mais experiente, para poder realizar os objectivos do clube. Por outro lado, os próprios jogadores emprestados, mostraram interesse em ter mais espaço para jogar, e até agora estamos muito contentes porque todos eles mostram, cada fim da semana, o seu potencial e qualidade. Por último queria aqui dizer que todos membros da nossa formação estão muito orgulhosos e motivados para continuar a desenvolver o mesmo trabalho, por já termos conseguido “lançar”, este ano, 4 jogadores para nossa Liga principal do basquetebol português.
- Dos jogadores que tens no Benfica B, quem te parece que poderá vir a ter projecção no Basquetebol internacional? Porquê?
Primeiro, os jogadores não são meus, são do Benfica, e eu sou apenas treinador deles, que é só um dos muitos “parafusos” da nossa “fábrica”, que tem, exactamente, como principal objectivo criar uma representativa e verdadeira Escola de Basquetebol, uma única ”fábrica de jogadores de basquetebol” a nível nacional, onde o “produto final” será “um” jogador de basquetebol com qualidade para jogar ao nível internacional. Sobre nomes claro que não quero destacar ninguém, porque eles próprios têm que se destacar com a sua evolução, como, por exemplo, já o fizeram o Cristóvão Cordeiro, o Tomás Barroso, o Antonio Monteiro, o Diogo Correia…
Todos eles sabem que se não quiserem trabalhar, 6-7 horas por dia, de certeza absoluta que há espanhóis, gregos, sérvios, lituanos… que querem. A minha mensagem a todos os jogadores com potencial e ambição é sempre a mesma: “se já não tens a certeza se trabalhas melhor do que outros, pelo menos só de ti depende se vais trabalhar mais do que os outros”. Ou alguém acha que por exemplo o Sérgio Ramos ou a Mary Andrade tiveram sucesso internacional só por causa de seu talento?
- No resto da Europa, encontramos jogadores com 17 e 18 anos a disputar as competições principais de seniores (nos nacionais e nas provas europeias). Porque achas que, em Portugal, só encontramos na Liga Profissional jogadores com mais de 20 anos?
É verdade. Por exemplo, o Partizan de Belgrado, este ano, tem na sua equipa 6 jogadores com 20 anos e joga de “igual por igual” na Euroliga e NBL Liga (Liga Adriática) e, no ano passado, mesmo assim, participou na Final Four da Euroliga. No último Campeonato de Mundo, a Selecção Sérvia apresentou talvez a equipa mais nova de todos campeonatos e há dois anos sagrou-se Vice-Campeã da Europa. Ao mesmo tempo foi uma das equipas mais atractivas, pelo basquetebol apresentado.
Mas para que isso aconteça deve existir, na minha modesta opinião, duas coisas:
1.º    Coragem do treinador;  
2.º    Horas e horas passadas em pavilhão a treinar os jovens jogadores.
Mas, em princípio nem se deve falar do 1.º ponto, se existirem poucos treinadores que estejam disponíveis e interessados a dedicar-se ao ponto 2.º. Ou podemos colocar as coisas assim:
Se um treinador dedica 6 ou 7 horas a um jovem jogador todos os dias, para trabalhar e melhorar o desempenho dele no campo, não é totalmente lógico que o mesmo treinador queira mostrar o seu trabalho no jogo? E precisa de coragem para isso?

Na minha opinião, coragem vai precisar, só quando não tem a certeza que o seu trabalho tem qualidade, e assim “tem de arriscar”.

- Em que nível te parece estar o Basquetebol português? Parece-te possível que, a médio prazo, possa aproximar-se dos melhores níveis europeus?
O basquetebol português está muito melhor do que há 11 anos quando eu cheguei a Portugal, mas, ao mesmo tempo, ainda está muito longe de poder fazer, em continuidade, histórias como fez a geração do Carlos Lisboa, Jean Jacques, Mike Plowden…, ou a Selecção Nacional no Europeu em 2007. No desporto moderno não existem termos “médio prazo”, ou “médio-curto prazo”… Existem objectivos, planeamentos, trabalho, muito trabalho, resultados (bons ou maus), análises e responsabilidades pelo trabalho feito. O melhor exemplo disso pode ser a AB Lisboa, que, no espaço de uma só época desportiva, mudou completamente a sua “posição” ao nível nacional. Se a ABL conseguiu fazer isso ao nível Nacional, acredito eu que também a FPB pode fazer o mesmo, ao nível Internacional.
- O que falta ao Basquetebol Português para chegar aí?
Do meu ponto de vista, o sucesso do basquetebol nacional tem que ser directamente ligado às condições de trabalho proporcionadas aos clubes, porque a base de formação dos jogadores tem que ser nos clubes, e não nas Selecções Distritais, CAR´s, ou Selecções Nacionais, que têm que ser só uma “cereja no topo de bolo”. Quando me refiro a condições de trabalho, além do material desportivo e do espaço para os treinos dos jovens, o mais importante é ter bons técnicos profissionais a trabalhar na formação, e não só em equipas seniores. Para acontecer isso é necessário ter dirigentes que saibam, entendam e tenham paciência, porque, no desporto, tudo o que se faz de hoje para amanha, facilmente se perde no dia seguinte. Acho que todos se lembram de dezenas e dezenas de “grandes” projectos que hoje já não existem, e só porque, a procura do sucesso se iniciou “por cima”, em vez de “por baixo”.
- Na tua opinião, como pode o site Planeta Basket apoiar o desenvolvimento de jovens jogadores fora de campo?
Uma boa ideia seria, talvez, publicar artigos sobre jogadores com sucesso ao nível internacional, para relatarem as suas “histórias” e todos os passos que tiveram que dar quando iniciaram a sua “caminhada” como jogadores jovens.
De qualquer modo, acho que o vosso website era, e ainda é, um “ar fresco” no espaço mediático dedicado ao basquetebol, e que nunca devia ir ao “colo” dos vários compromissos, que, às vezes, podem deixar “presas” as coisas que tem ser soltas (ditas).

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